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domingo, 10 de abril de 2011

Las Teorías Psicoanalíticas del Grupo, René Kaes

Tradução livre do primeiro capítulo e tôpico do livro As Teorias Psicanalíticas de Grupo, interessante observar os problemas que o autor tenta responder no que diz respeito as  implicações teóricas da psicanálise num contexto  de grupos. Segundo ele atenderia a três necessidades:  a uma necessidade sócio-histórica, a uma necessidade clínica e finalmente a uma necessidade de elaboração epistemológica interna do pensamento psicanalítico. 

1- A invenção psicanalítica do grupo

A “invenção” psicanalítica do grupo inscreve-se no contexto das grandes rupturas da pós modernidade: inscreve-se também no movimento psicanalítico. Ocorreu em várias etapas, em mais de um lugar e sobre diversas bases teóricas; em todos os casos se produziu ao margem da psicanálise, mobilizando resistências de todo tipo mas suscitando uma elaboração que coloca em xeque algumas das suas hipóteses fundadoras.

Freud e o grupo . A matriz grupal da invenção da psicanálise.

O dilema com o grupo introduziu-se na psicanálise desde sua origem, com insistência e resistência a tal ponto que esta afinidade conflictiiva entre grupo e psicanálise fez do grupo a outra matriz fecunda e traumática da invenção da psicanálise: sua instituição e sua transmissão, sua teoria e a sua prática levam as impressões das apostas apaixonadas, com frequencia violentas e repetitivamente traumáticas, que se integraram em seus alicerces. È como se a mutação que o mesmo Freud descreveu entre o registro psíquico e cultural da Horda ao do Grupo Civilizado e creador do pensamento devesse ser constantemente renovada pela instituição da psicanálise, igual que, sem dúvida, em toda instituição.

Esta afinidade conflictiva não resolvida poderia reduzir-se, em parte ao paradoxo seguinte: a exploração do mais íntimo, do mais oculto e do mais singular, versus o que se mobilizam os efeitos conjuntos da censura intrapsíquica e da censura social, só pode se empreender numa relação intensa do pequeno grupo e contra alguns efeitos desta relação.

É na ruptura com Fliess, o duplo narcisista, como se forma, por iniciaitva de Stekel, o grupo que Freud convoca e reúne ao seu redor. A psicanálise nasce desses dois lugares dissimétricos e conectados entre si por caminhos de ligação ainda desconhecidos: o espaço singular da situação psicanalítica da cura e àquele, plural, múltiple, também no enquadre, mas fora de uma verdadeira situação psicanalítica, do grupo que constituem os primeiros psicanalistas em torno de Freud. Nestes dois espaços antagônicos e complementares se experimentam e se elaboram as tumultosas descobertas do inconsciente, através de seus surgimentos na solidão e nas vicissitudes do vínculo intersubjetivo. Por mais de um motivo, o grupo será a contracapa oculta e desconfiada do espaço de cura.

Freud necessita do grupo para ser, tal qual Schliemann, Alexandre e Moises, o descubridor dessa Terra Prometida Perdida. É grupo que o rodeia, até tornar-se a vezes insuportável, que encontra um eco para os seus pensamentos: é ele quem carrega a palavra do inconsciente, o instrui nos procedimentos e nas regras do conhecimento, em troca, o grupo mostra-lhes as coisas do vínculos de amor e ódio que os homens tecem quando reunidos em torno de um ideal comum. O grupo é um filtro para suas emoções, um pára-excitação auxiiar, o objeto sobre o que exerce sua influência. Em seu grupo, experimenta os obstinados bloqueios da resistência à psicanálise que seus discípulos lhe opõem, mas eles também lhe opõem sua alteridade, suas diferenças e suas divergências.

Em esta primeira e necessária invenção do grupo no coração da psicanálise, o grupo dos primeiros psicanalistas será o cenário onde o eu heróico de Freud poderá exaltar-se, onde se despleglarão suas grandiosas projeções, suas identificações histéricas, suas dramatizações masoquistas, sua fantasia de preeminência e suas recriminações por se encontrar sozinho, abandonado por todos. A combinação ou o acoplamento das psiques encontrará um princípio nesses “organizadores” insconscientes dos vínculos intersubjetivos entre seus discípulos, seus filhos, seus irmãos.

O cenário do primeiro grupo psicanalítico será o espaço onde se desplegará a fantasia da cena primitiva de invesigação e de descoberta do inconsciente. Será para os discípulos de Freud, essencialmente para os homens atraídos por ele, o cenário de suas fantasias de sedução e de castração: cenário no qual se coloca simultânea e sucessivamente todos os avatares da sexualidade e em especial os da homossexualidade e a bisexualidade; cenário onde se dramatizam as apostas da rivalidade fraterna, do reconhecimento permanentemente reativado, sempre insatisfeito, de ser para Freud o filho predileto, se não o Único.

Este cenário do grupo, onde se desdobraram tantas cenas domésticas e de família, só adquirirá destaque e esta densidade porque será o espaço que receberá as transferências de transferências não analisadas ou insuficientemente analisadas na cura, ante todo os restos de transferências grandiosas e persecutórias, os ramos/descendentes da ilusão mobilizada no grupo para sustentar sua conquista: o conhecimento do inconsciente. Restos que serão investigados, sustentados e unidos entre si nas configurações interpsíquicas do grupo dos primeiros psicanalistas. Aí encontram-se a matéria e a energia necessárias para fundar a instituição da psicanálise.

A descoberta e a análise do Complexo de Édipo no espaço intrapsíquico não mudará quase nada o reconhecimento, a análise e a resolução de seus efeitos no campo das relações intersubjetivas do grupo. É como se as apostas do Édipo ativas no grupo se voltassem alí irreconhecíveis, inclusive depois que Freud tratara de descubrí-las em Totem e Tabú, nessa análise então crucial para ele, para o seu grupo e para a psicanálise, da passagem da Horda ao Grupo. O que ocorre é que a alienação da realidade psíquica nos grupos não segue exatamente os mesmos caminhos e não produz as mesmas formações que no espaço intrapsíquico. Então só lhe resta à psicanálise continuar a sua descoberta, desde o momento em que continua em seu projeto de conhecer o inconsciente aí onde se manifesta.

As principais hipóteses da especulação freudiana. O “Grupo Psíquico”.

Em “Projeto de Psicologia” (1895) e nos Estudos sobre a Histeria (1895), o grupo aparece antes como um modelo da organização e do funcionamento intrapsíquico: é uma forma e um processo da psique individual. Freud chama grupo psíquico (der Psychische Gruppe) a um conjunto de elementos (neurônios, representações, afetos, pulsões...),ligados entre si por investiduras mútuas, que formam uma certa massa e funcionam como imãs de ligação. O grupo psíquico está dotado de forças e de princípios de organização específicos, de um sistema de proteção e de representação-delegação de si mesmo por uma parte de si mesmo; estabelece relações de tensão com elementos soltos ou desligados que, por esta razão, são susceptíveis de modificar certos equilíbrios intrapsíquicos. O primeiro esboço do conceito do ego freudiano é o de grupo psíquico: a primeira representação do inconsciente e a do grupo psíquico clivado.

É evidente que o grupo intersubjetivo proporciona a metáfora da qual Freud se sirve para representar um primeiro modelo de inteligibilidade da estruturação e funcionamento do aparato psíquico. O modelo dos grupos psíquicos, um dos mais fecundos, será recorrente no decorrer de toda a sua obra: veremos mais adiante como ele organiza a representação dos processos primários e das formações de compromisso, das identificações e do ego, das fantasias, dos complexos e das imagos. Mas também será um dos mais desconhecidos.

A Psique do Grupo. A atenção declarada que Freud dedica aos fenômenos de grupo e de massa não se explica só pelo seu afã de estender a eficácia de suas descobertas a níveis de realidade diferentes dos da psique individual. Mais ainda, esta atenção não pode ser considerada unicamente desde o ponto de vista da sua situação pesssoal em seu próprio grupo, inclusive quando escreve Totem e Tabu em um movimento de elaboração de crise pessoal, grupal e institucional que desemboca na sua ruptura com Jung. Sua desconfiança em relação à  Menge, a massa compacta das idéias recebidas com as quais se depara, como seu pai humilhado pela tirania da maioria dominante, constituem também motivos poderosos para o seu ambivalente desejo pelas massas, pelas instituições e pelos grupos. Este interesse se fortalecerá após as catástrofes coletivas durante a Primeira Guerra Mundial: se ampliará quando se gestem, e ele pressinta , outras catástrofes: a ascenção dos fascismos na Europa e a mais concreta, a ameaça do nazismo na Alemanha e na Áustria. Outras razões poderiam também estar envolvidos nesse interesse. Estas formam uma sinergia que levará Freud a escrever, com sete anos de intervalo, as obras fundadoras que não podem reduzir-se a um simples exercício de psicanálise aplicado.

Totem e Tabú não é só uma especulação de Freud que “aplique” a psicanálise à gênese das formações sociais: Freud desvela alí a vertente parterna do complexo de Édipo, seus componentes narcisistas e homossexuais; defende hipóteses consistentes sobre a transmissão psíquica das formações transindividuales da psique, sobre a origem e o originário. Do mesmo modo, Psicologia das Massas e Análise do Ego não é exclusivamente um ensaio de “psicologia social”, no sentido em que a entendemos hoje; Freud só utiliza esta noção para introduzir na problemática da psicanálise a abertura intersubjetiva dos aparatos psíquicos entre si, em um lugar onde se podem apreender conjuntamente a estrutura do vínculo libidinal entre vários sujeitos, a natureza e o papel das identificações, a função dos ideais e a formação do eu. O Futuro de uma Ilusão, O Mal Estar da Civilização e até a última obra Moisés e o Monoteísmo permanecerá aberta a investigação nesta direção.

Se este é o sentido e o interesse teórico que Freud dirige aos grupos e aos conjuntos intersubjetivos, a hipótese de uma psique de massa (Massenpsyche) o de alma de grupo (Gruppenseele) formulada na conclusão do Totem e Tabú , não é a pura e simples transposição de uma noção tomada da psicologia dos povos, da etnologia o da psicologia social do seu tempo. Retomada e elaborada em vários lugares e em momentos sucessivos da obra freudiana, esta hipótese supõe a existência de formações e processos psíquicos inerentes aos conjuntos intersubjetivos: impilica que a realidade psíquica não está localizada inteiramente no sujeito considerado em sua singularidade de seu aparelho psíquico.

TRÊS MODELOS DE AGRUPAMENTO. De 1912 a 1938, de Totem e Tabú a Moisés e o Monoteísmo, três modelos tratarão de dar conta das formações e processos da realidade psíquica posta em jogo na passagem qualitativa do individuo à matriz e da matriz ao conjunto intersubjetivo organizado.

O primeiro modelo introduz, com Totem e Tabú, a noção de que a realidade psíquica do conjunto se desprende dos efeitos da aliança fraterna para matar ao Pai da Horda Primitiva. Freud descreve assim a passagem da Horda al Grupo instituído na cultura: os filhos, aliados contra o chefe da Horda admirado e odiado, preparam e um dia consumem o ato de assassinato do pai arcaico, devoram seu cadáver durante a comida canibalesca após esse assassinato, mas, impedido cada um pelo outro, nenhum deles pode assumir a herança e o lugar do Pai. Esse primeiro momento psíquico, é o da incorporação do pai assassinato. (G. Rosolato), assinala o fracasso do processo de introjeção das qualidades do Pai morto em cada um.

O sentimento de culpabilidade, a tolerância recíproca e o enunciado das proibições fundamentais farão possível a instalação desse processo. Culminará no nascimento da comunidade dos irmãos, fundada sobre dois princípios: a instauração do toteísmo garante que nunca mais acontecerá um episódio semelhante; a renúncia da posse de todas as mulheres obriga a unir-se somente  àquelas que não pertencem ao clã. A proibição do assassinato e a exogamia fazem que seja possível os intercambios simbólicos.

Psicologia das Masas e Análise do Ego. É o momento para propor um segundo modelo do processo psíquico de agrupamento: a identificação é o eixo que ordena a estrutura libidinal dos vínculos intersubjetivos. Os efeitos das identificações mútuas pelas quais se efetua a traslação das formações intrapsíquicas sobre uma figura comum e idealizada, são o condutor, ou “ o chefe” e “ o espírito do corpo”. Esta translação ou transferência implica para cada sujeito o abandono de uma parte de seus próprios ideais e de seus próprios objetos de identificação.

Com o Mal Estar na Cultura (1929), Freud propõe o terceiro modelo: seu princípio aqui é a renúncia mútua da realização direta dos fins puslionais. O pacto da renúncia possibilita o amor e o desenvolvimento das produções culturais. A comunidade que resulta deste pacto está fundamentada sobre o direito: garantiza a proteção e as obrigações obtidas na troca desta limitação. Neste texto, Freud introduz mais uma vez o narcisismo no centro das formações coletivas: o narcisismo “ das pequenas diferenças” delimita o pertencimento, a identidade e a continuidade do conjunto; distingue cada grupo de qualquer outro. Esta “ terceira diferença” no lado das do sexo e da geração, especifica a relação de cada sujeito com a psique de grupo na que está sustenado narcisicamente , e que ele sustenta.

Estes três modelos proporcionam as bases do desenvolvimento posterior das teorias psicanalíticas de grupo. Contêm três hipóteses fundamentais: a hipótese de uma organização grupal da psique indvidual; a hipótese de que o grupo é o lugar de uma realidade psíquica específica; a hipótese de que a realidade psíquica do grupo precede a do sujeito e a da estrutura.

A articulação entre estes três modelos é esboçada por Freud: este descreve formações psíquicas intermediárias e comuns a psique do sujeito singular e aos conjuntos (famílias, grupos secundários, classes, nações) das que ele é parte constitutiva e parte constituída; por exemplo, o ideal do eu, as diferentes figuras do Mediador, os correlatos místicos das fantasías, a comunidade das fantasias e as identificações.

Entretanto, estas preposições conservarão um caráter especulativo até que não se construam dispositivos metodológicos que as submetam à prova clínica. Ademais suscitarão atitudes contraditórias e resistências que colocam em evidência sua âncora ao mesmo tempo central e marginal na psicanálise. Podemos propor algumas razões para isto: elas seguramente respondem à complexidade e a heterogeniedade do grupo como objeto téorico, a suas dimensões intrapsíquicas, intersubjetivas, institucionais e societárias. Diz respeito também à distância entre a experiência e as elaborações teóricas parciais que dela autoriza a situação de cura individual. Concernem finalmente a resistência que provoca no grupo de psicanalistas a revelação das apostas conflitivas que o atravessam.


KAES, RENE.  Las teorias psicanalíticas del grupo. Impresso en los Tallere Color Efe. Paso 192, Avellaneda, província de Buenos Aires, em julio de 2000.    

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