Este blog dedica-se a exercitar "escuta" sensível às manifestações artísticas, criações e ilusões humanas.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Matrimonio do Céu e do Inferno

WILLIAM  BLAKE (1757-1827)  poeta místico,  ilustrador revolucionário  e pintor manifesta em seus escritos e em seus poemas, além de uma  visão muito pessoal da união com o Divino, uma crítica social  ao capitalismo industrial cientificista da época chamando a atenção então para a crescente apatia e a morte espiritual. 

Blake inventa a sua própria mitologia e teologia usando conceitos reconhecidos e aceitos pelo cristianismo dando a eles uma significação peculiar e pessoal, as Canções da Inocência e da Experiência estão repletas de anjos e cordeiros.  Blake interpreta o cristianismo de uma forma anárquica e revolucionária assim como Kierkegaard e Nietzsche o significaram cada qual ao seu modo. A questão central blakeana passa nem tanto pela sua especifiidade mística mas  pela  evidência da capacidade do homem em criar a partir daquilo que ele  percebe, a sua qualidade fantasiosa e imaginativa.  

"Se as portas da percepção fossem limpas tudo apareceria ao homem como infinito".

Interessante observar que para Blake as  portas da perperção eram algo muito mais simples e natural do que as experiências com mescalina de Huxley descritas em seu  Admirável Mundo Novo, para  ele tratava-se da percepção da realidade. Nesse sentido Blake entendia que a visão ou  imaginação eram o poder supremo no homem e no mundo porque literalmente visão era imaginação: 

"Poner en duda mis ojos corporales seria lo mismo que poner en duda una ventana en lo que concierne una vista, miro a través de ella, no con ella". (Blake, 1983)

Para Blake é como se existisse uma distinção entre uma "visão simples" e uma "dupla visão"  isto ajuda a compreender por que algumas das considerações blakeanas nos parecem contraditórias. Supõe também uma diferença entre ter uma visão de mundo generalizada e uma visão como um organismo composto de pequenas partículas. A visão simples era personificada pelas figuras de Newton, Bacon e Locke, muito criticados por ele, lembremos que a Inglaterra da época era o berço do materialismo moderno. 
 
O Primeiro Dia (1794)


A lógica blakeana era a de adquirir "a dupla visão"  impulsionando o intelecto e exercitando-o na ação para dentro, assim a visão interior animava a externa. Blake afirma que não devemos prolongar esse estado pois o seu tempo é o de uma " pulsação arterial", tratar de estender o seu tempo equivaleria a corrompe-la, que é exatamente, segundo Blake , o que fazem as "pessoas religiosas". 

Para Blake um dos caminhos para expandir os sentidos se dá no jogo livre das paixões, satisfazendo os desejos do corpo.  Interessante observar que Blake manteve uma vida matrimonial muito casta daí se desprende que esta afirmação não é uma apologia do hedonismo,  em outro momento Blake novamente fala do excesso  mais no sentido de chamar a atenção para a ausência de tensão do que o para o excesso propriamente dito:

"Mas o homem não deve aprisionar o gozo, porque assim o corrompe"  (Blake, idem, pag. 22).  

A crítica ao ascetismo é mais clara quando Blake nos fala: 

"En el cielo se admite a los hombres, no porque hayan dominado sus pasiones, o porque no las tengan, sino porque hayan cultivado su entendimiento".  [...]  Si el  hombre rehuye el goce corporal es porque es lo bastante débil para dominarse, y el dominador, o razón, usurpará el lugar gobernado  al refractario". (Blake, idem, pag. 23).

Percebemos que o pensamento blakeano é atravessado pela dialética e a partir desse processo, desta tensão se daria a "vida". Para ele sem contráros, não há processo, necessário para a existência humana. 

É sabido que em contraste com outras tradições,  o cristianismo enquanto dourtrina não tem conseguido se desvencilhar da dualidade,  em seu anseio de perfeição, a teologia cristã  tem neglicenciado a escuridão divina.

Piedade
Se entendermos a perfeição como sinônino de totalidade integrada fica fácil compreender que a perfeição não implica reprimir a escuridão  e no lugar da repressão o que é necessário que aconteça é que as tensões trabalhem para se resolver. 

Um antídoto para a apatia e a morte espiritual denunciada por Blake que persiste até os dias atuais é justamente não alienar-se diante da sombra, num universo  blakeano seria justamente vivenciar o processo, que significa isto na prática? Tens raiva, mágoa, ressentimento, não permita que isto te afaste dos outros e tampouco a reprimas.  Embora os conflitos emocionais sejam bem mais complexos do que o do exemplo não esqueçamos que qualquer que seja a maneira como as idéias complexas se compõem  elas se originam das simples. E para lidar com elas, cada qual a sua "graça". Afinal  ....  "É pela graça que fostes salvos". 

Referência Bibliográfica: 

BLAKE, WILLIAM. El Matrimonio del Cielo y del Infierno. Cantos de Inocencia y de Experiência. Traducción Soledad Capurro. Editora Visor, Madrid: 1983. 

CONNIE ZWEIG E JEREMIAH ABRAMS (orgs). Ao encontro  da Sombra: O Potencial Oculto do Lado Escuro da Natureza Humana. Editora Cultrix, São Paulo: 1991.