Este blog dedica-se a exercitar "escuta" sensível às manifestações artísticas, criações e ilusões humanas.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Simetria da Droga in The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde

O romance The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde escrito por R.L. Stevenson (1850-1894) trata sobre um advogado londrino, Utterson que investiga as estranhas coincidências entre seu velho amigo Dr. Jekyll e o Mr. Hyde. A obra tem visão psicológica quando representa a consciência da dualidade da natureza do homem através do personagem Jekyll, o axioma colocado é “ o homem não é uma unidade, na verdade, o homem, é duplo”.

A partir de algumas reflexões psicológicas sobre o personagem de Dr. Jekyll pretendemos estabelecer uma correlação com os pressuspostos de Gregory Bateson a partir de uma  descrição epistemológica do alcoolismo  no contexto da Teoria Geral de Sistemas onde se observam o fenômeno das  atividades simétricas e das atividades complementares.  [In Nota de rodapé do livro “O Caminho dos doze passos: tratamento de dependência de álcool e outras drogas”  de J. Burns.]
    
O romance inicia-se com uma sucinta descrição física e psicológica de Jekyll, um homem de cinquenta anos, bem constituído, com um toque furtivo e impaciente,  gentil e admirador de homens sábios e bons, sente  desejo de ser aprovado pelos seus pares e para tal tende  a adotar uma persona agradável. 

No entanto, Jekyll entra em contato com o seu outro lado da personalidade quando busca certos prazeres da vida que acha dificíl reconciliar com o seu desejo de manter sua dignidade. Adota semblante grave como máscara para esconder o seus impulsos da sociedade vitoriana da época. Apesar da consciência dessa dualidade, Jekyll defende-se - psicologicamente - de forma desastrosa.

Dr. Jekyll cria uma droga que permite uma alternância fícticia entre estas duas personalidades, a do Dr. Jekyll e a do Mr. Hyde, o seu aspecto mais sombrío. Inicialmente este alter-ego atinge seu objetivo: separar e controlar a tensão entre o seu lado racional e o seu lado mais lascivo.

A primeira vez que a droga o transforma , então Mr. Hyde  torna-se  muito mais perverso do que era, "dez vezes mais perverso... "  (sic) Em algum ponto desse processo faz contato com o nível mais profundo do mal, esse nível era tão forte que a única coisa que Jekyll podia dizer de Hyde era que ele era puro mal. Um outro  dado instrutivo do romance: viver os impulsos mais arcaicos não é uma solução para o problema do nosso lado sombrio, ele muito  provavelmente toma a  posse do ego.

Jekyll fica assustado, percebe que está perdendo o controle de Mr. Hyde, “no instante em que eu quiser, livro-me de Mr. Hyde”. Aqui outro valioso ensinamento, o desprezo e descuido pelas forças do mal, abrem caminho para a autodestrutividade.

Para sair dessa situação Dr. Jekyll tenta retomar o padrão de vida antigo, dedica-se às boas ações, e pela primeria vez dedica-se à religião. Ocorre que a religiosidade de Jekyll está em função de se defender de Mr.Hyde, diga-se de passagem que este tipo de defesa tende a atrair as pessoas que consciente ou inconscientemente tentam manter seus impulsos sob controle.

Nesse sentido, não é por motivos espirituais que Jekyll quer deter Hyde mas por temer a sua destruição. Tentar escapar da tensão através da droga transformadora não é bom negócio, o jeito é sustentar a tensão, isto equivale a dizer que deve-se tentar sustentar a dor – um estado de suspensão indescríptivel – para talvez possibilitar o encontro com a totalidade. 

Esse estado de suspensão não é resolvida no nível do ego ou da racionadiade, o processo de cura irracional possui uma qualidade feminina -  espírito feminimo , só esse lado é capaz de sintetizar onde a lógica diz que nenhuma síntese pode ser encontrada. 

"Na última noite, Hyde chora como uma mulher ou uma alma penada."

A droga que Jekyll fabricou para conseguir sua metamorfose está no pão nosso de cada dia, estamos cercados de drogas capazes de alterar nossos estados de mente. Na novela, Dr. Jekyll é totalmente possuído por Mr. Hyde, e Hyde se suicida.

Gregory Bateson descreve o alcoolismo em termos epistemológicos, distinguindo as atividades simétricas das complementares. As atividades são simétricas quando os dois elementos exercem uma força simultânea no mesmo nível para manter o relacionamento. São complementares quando as atividades de dois elementos são distintas entre si sendo que a atvidade de um estimula a do outro, mas um não depende do outro para se manter. Bateson alega que o alcoólatra acaba tendo um relacionamento simétrico com o álcool. A fala do personagem Jekyll está em simetria quando diz que pode deixar Mr. Hyde quando quiser, Bateson acredita que o segredo dos Doze Passos é tirar o alcoólatra de um relacionamento simétrico:

“Em resumo, o relacionamento entre o alcoólatra e seu 'outro' real ou fictício, é claramente simétrico e progressivo. [...] Nós vamos ver que a conversão religiosa do alcoólatra quando salvo por AA pode ser descrita como uma mudança de hábitos simétricos para uma visão quase puramete ccomplementar do relacionamento com outros, ou universo ou Deus. [...] No fim de sua vida, Bateson exorta à crença não em religião, mas no sagrado, aquilo que inspira respeito e humidade”.

Entendemos que o “espírito feminino” descrito acima escapa da lógica de uma cura racional e se alinha muito bem com o conceito de complementariedade de Bateson. Nesse sentido podemos compreender que a rendição não se opera no nível da consciência e quando se opera neste nível  mostrar-se mais propensa à recaídas do que aquelas operadas num nível inconsciente, aqui entendido como um estado de ser positivo e criativo.


Referências bibliográfcas:

BURNS, E. JOHN. O Caminho dos Doze Passos: o tratamento de dependência de álcool e outras drogas. Segunda edição – São Paulo: Edições Loyola, 1995.   

CONNIE ZWEIG E JEREMIAH ABRAMS (ORGS). Ao Encontro da Sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. Editora Cultrix: São Paulo, 1991. 

BEATTIE, MELODY. Co-dependência Nunca Mais. Nona Edição – Rio de Janeiro: Record, 2005.