Este blog dedica-se a exercitar "escuta" sensível às manifestações artísticas, criações e ilusões humanas.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Zeno e a Psicánalise

Para quem se habilite a conhecer um pouco mais de perto o universo da psicanálise romanceado um boa dica é “ A consciência de Zeno” de Italo Svevo. Em 1907 Svevo começa a ter aulas de inglés com James Joyce, de quem fica amigo. Joyce admirado pelo trabalho literário de Svevo incentiva-o a escrever e em 1923 ocorre a publicação de “ A consciência de Zeno” sem grandes repercussões incialmente até a sua publicação na França. O livro resumidamente trata das várias formas que  Zeno encontra para dar conta do seu vazio existencial pois decide no final da sua vida fazer um balanço de suas experiências no divã de um analista. Já no prefácio do livro temos as palavras do seu analista a escusar-se por haver induzido o seu paciente a escrever uma autobiografia: “mas ele era velho, e eu supunha que com tal evocação o seu passado reflorisse e que a autobiografia se mostrasse um bom prelúdio ao tratamento. […] Publico-as por vingança e espero que o autor se aborreça. Seja dito, porém, que estou pronto a dividir com eles os direitos autorais desta publicação, desde que ele reinicie o tratamento”.
Vamos aproximarmos das primeiras falas de Zeno :
“Rever a minha infância? Já se vão mais de dez lustros, mas minha vista cansada talvez pudesse ver a luz que dela ainda dimana, não fosse a interposição de obstáculos de toda espécie, verdadeiras montanhas: todos esses anos e algumas horas de minha vida.

O doutor recomendou-me que não me obstinasse em pesrcrutar longe demais. Os fatos recentes são igualmente preciosos, sobretudo as imagens e os sonhos da noite anterior. Mas é preciso estabelecer uma certa ordem para poder começar de ab ovo. Mal deixei o consultório do médico, […] corri a comprar um compêndio de psicanálise e li-o no intuito de facilitar-me as tarefas.
Depois do almoço, comodamente esparrramado numa poltrona de braços, eis-me de lápis e papel na mão. […] Meu pensamento parece dissociado de mim. Chego a vê-lo. Eis que minha fronte se enruga ao pensar nas palavras que são compostas de tantas letras. […] Ontem tentei um abandono total. A experiência terminou no sono mais profundo e não obtive outro resultado senão um grande descanso e a curiosa sensação de haver visto alguma coisa importante durante o sono. Mas esqueci-me do que era, perdendo-a para sempre.”
E a partir daí o personagem incursiona pela sua história.  Zeno nos ajuda a pensar uma  dimensão do fazer analítico e esclarecer,  no meu entender, o mito da psicanálise ser quase que exclussivamente uma técnica que  induz a uma análise histórica do paciente. Sucintamente a psicanálise é a  a ciência que se ocupa dos distúrbios psíquicos originados no inconsciente, mais do que isso é um lugar de encontro onde o analista e o seu analisando podem colocar coisas novas em lugares vazíos ou inermes, sob a esteira da psicanalista francesa Elizabeth Roudinesco o fazer analítico implica numa espécie de remanejamento de lugares: em lugar da calmaria, as paixões, em lugar da ausência do desejo, os desejos , em lugar do fim da história, do nada, a História. Em todo processo terapêutico analíticamente orientado espera-se que  obter este movimento no qual aparecem cenas do passado, do presente e devires. Cenas que  têm um efeito no presente e por serem  lembranças atualizadas  precisam ser dinamizadas  para que seja minimizada a  intensidade do seu sofrimento psíquico e a sua ação depreciativa na vida do sujeito. Nesse sentido, a autobiografia de Zeno está a ocupar este lugar entretanto a fala do Doutor S. no prefácio  nos instiga a curiosidade:  Por que está a reinvdicar  a divisão dos  direitos autorais  e o início do tratamento de Zeno?