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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Primeiro Ano de Vida

Pretendemos neste artigo expor sucintamente um recorte da Teoria do Desenvolvimento proposta por René Spitz em seu livro “ O primeiro ano de vida”. Daremos ênfase a constituição da relação objetal na inter-relação mãe-bebê,a seguir elencaremos as patologias das relações objetais devido as relações inadequadas e insuficientes entre mãe e filho. Interessante notar que foi Sptiz  um dos primeiros psicanalistas a utilizar a observação direta das crianças para determinar e posteriormente descrever as etapas da evolução psicogenêtica da criança.

O pensamento de Spitz baseia-se no conceito freudiano de um organismo no recém-nascido psicologicamente  indiferenciado, tendo apenas um equipamento congênito e certas tendências.  Faltaria ainda a  este organismo a consciência, percepção, sensação e todas as outras funções psicólogicas, conscientes ou inconscientes. Nesse sentido, a evolução normal é composta pelo que Spitz nomeia de organizadores de psiquismo, que demarcariam certos níveis da integração da personalidade, então os processos de maturação e desenvolvimento combinariam-se pra formar uma aliança.

Com dissemos anteriormente nos centraremos na patologias decorrentes da inter-relação afetiva entre a mãe e o filho expostas por Spitz, entretanto endosso a leitura deste livro uma vez que é muito raro ter nas publicações psicanalíticas descrição minuciosa de método e conclusões numa escrita direta e simples acessível a todos aqueles que se interessem ou trabalhem com crianças.

Num primeiro momento introdutório cabe esclarecer que a noção de objeto encarada pela psicanálise está necessariamente atrelada ao conceito de pulsão e libido.

“Libido significa, em psicanálíse, no primeiro exemplo, a força (considerada como variável e mensurável quantitativamente) dos instintos sexuais dirigidos para um objeto “sexual” no sentido amplo exigido pela teoria analítica”. (Sptiz, 2004, pág. 09).

Também em Laplance e Pontalis (2004) no verbete Objeto do seu Vocabulário da Psicanálise delimitam a tese principal e constante de Freud sobre a contingência do objeto, isto quer dizer que não é qualquer objeto que irá satsfazer a pulsão uma vez que ele está marcado pela história infantil de cada um. Nesse sentido, o objeto é o que há de menos determinado constituicionalmente na pulsão.

Então temos que relações objetais são relações entre um sujeito e um objeto , assim sendo, para o universo do recém-nascido ainda não há objetos. Os objetos relacionais  desenvolvem-se progressivamente no decorrer do primeiro ano de vida, e no seu final, o objeto libidinal será establecido.

Spitz distingue três estágios no desenvolvimento do objeto: 1) estágio pré-objetal ou sem-objeto, 2) estágio precursor do objeto e 3) estágio do próprio objeto.


Para Spitz o primeiro estágio corresponderia ao narcisismo primário de Freud, no qual o bebê ignora o mundo ao seu redor. Para entender como isto acontece ajuda ter em mente que o aparelho perceptivo do recém-nascido é protegido do meio exterior por uma barreira de estímulos muito alta, portanto esta barreira o protege da percepção de fora, a não ser que os estímulos vindos de fora excedam o nível de intensidade da barreira protetora, destruindo a quietude do recém-nascido fazendo-o reagir violentamente com desprazer. Nesse sentido, Spitz prefere traduzir estágio não-diferenciado por percepção insuficientemente organizada.

O segundo estágio tem como primeiro organizador o aparecimento do sorriso do ser humano que ocorre a partir do segundo e terceiro mês de vida. O sorriso então aparece como um indicador que instala os primeiros rudimentos do Eu e o estabelecimento da primeira relação pré-objetal ainda indiferenciada. Assim no segundo mês, o rosto torna-se um percepto privilegiado, a realidade começa a funcionar mesmo que ainda não ocorra a discriminação.

No terceiro estágio surge o segundo organizador, especificado pelo aparecimento da reação de angústia no rosto de um estranho, em torno do oitavo mês chamado de angústia do oitavo mês. 

O Eu do bebê vai se formando a partir de um acúmulo de traços de memória. Pode-se comparar a experiência perceptiva de um cego de nascença com a do bebê. Os estímulos que incidem sobre o sensório do bebê são estranhos à modalidade visual assim todo estímulo deverá ser primeiro transformado em uma experiência significativa, somente então ele pode torna-se um sinal, ao qual outros sinais são acrescentados para então construir uma imagem coerente do mundo da criança.

Por isto é que a partir deste segundo organizador, desta integração progressiva do Eu do bebê ,ele será capaz de distinguir entre a mãe e o não-mãe, na verdade, o que o rosto estranho significa para ele é a ausência da mãe o que faz suscitar a angústia. Deste modo, a criança chega assim a fase objetal e ao estabelecimento de relações objetais. Neste ponto podemos introduzir o último organizador, especificado pelo surgimento do “não” tanto na sua forma de gesto e/ou palavra no decorrer do segundo ano.

Devido a complexidade deste item sugiro mais uma vez a leitura do livro para um melhor entendimento. Deve-se ter em mente que o que o bebê incorpora são os gestos, ele não incorpora o pensamento da mãe uma vez que nesta fase a criança ainda é incapaz de pensamento racional, então o que ela processa em termos de afetiividade, o faz de maneira global. Então, a lógica continua sendo binária,  o que a criança entende portanto é “ você está a meu favor” ou “você está contra mim”.

A partir da identificação com o agressor por meio do gesto negativo, o bebê se apropria do gesto junto com o afeto “contra”. É um progresso imenso!  Ocorre que a partir dessa aquisição, a ação é substituída pela mensagem então inaugura-se, segundo Spitz, a comunição à distância. É a primeira aquisição conceptual da criança: isso cararteriza o seu acesso ao mundo simbólico e a sua nova capacidade de manejar símbolos. 

A partir desses estudos sobre o desenvolvimento normal, Spitz  determina distorções patológicas correspondentes a atitudes maternas. Nos distúrbios psicotóxicos a personalidade da mãe desempenha um papel importante na sua etiologia e nas doenças de carência afetiva, o fator personaldiade da mãe é menos decisivo, o que conta como fator nosogênico é o aspecto quantitativo, ou seja, o dano sofrido pela criança privada  de sua mãe será proporcional à duração da privação. Em outro momento pretendemos descrever, contextualizadas, as patologias das relações objetais  enumeradas no quadro abaixo.

                     CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA DE DOENÇAS PSICOGÊNICAS NA PRIMEIRA 
INFÃNCIA,  CORRESPONDENTES A ATITUDES MATERNAS

                                Fator Etiológico determinado  
                                pelas atitudes maternas                                 Doenças da  criança 
                                                            
                                       Psicotóxicos
                               rejeição primária manifesta                               coma do recém-nascido
                               superpermissividade ansiosa primária              cólica dos três meses
                               hostilidade disfarçada em ansiedade                eczema infantil
                               oscilação entre mimo e hostilidade                    hipermotilidade (balanço)
                                 
                               oscilação cíclica de humor                                  manipulação fecal
                               hostilidade consciente/te compensada              hipertimia agressiva
                                  
                               Deficiência
                               privação emocional parcial                                 depressão anaclítica
                               privação emocional completa                             marasmo ou hospitalismo

Referências Bibliográficas:

LAPLANCHE, JEAN.  Vocabulário da Psicanálise. Laplanche e Pontalis: tradução Pedro Tamem, Quarta Edição, São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SPITZ RA.  O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anômalo das relações objetais. São Paulo: Martins Fontes; 2004.