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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Uma condição chamada amor


Pretendemos com este texto pensar à luz da psicanálise freudiana  a forma como se processa  um tipo de escolha amorosa para a qual  impõe-se certas condições.    

Freud no seu texto " Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens"  esboça uma reflexão sobre como se dão as escolhas amorosas no homem neurótico. Parte do pressuposto de que as escolhas são inconscientes, isto quer dizer que no campo do amor, o sujeito escolhe obedecendo a uma série de condições que não são da vontade consciente, à nossa revelia as escolhas não são regidas  pelo nosso  "eu", obviamente isto não  deve eximir o sujeito das suas responsabilidades. Quando se alcança uma compreensão desse tipo as máximas "Cuidado com aquilo que desejas" e " Não quero aquilo que desejo" adquirem um sentido bem mais amplo e prático. 

Neste texto Freud detém-se na escolha de um homem neurótico embora admita que em  homens "sadios de tipo medio"  observaram-se conductas análogas. Freud interpreta a escolha de objeto destes homens como produto do Complexo de Édipo, no qual o menino ao descubrir as práticas dos seus pais, percebe-se "traído"  pela mãe, desta percepção decorre o desejo de tomar o lugar do pai e "salvar" a mãe, dando-lhe um filho.             


Este tipo de escolhas costuma obedecer a  algumas condições:

a) deve existir uma terceira pessoa , quem ele quer é uma mulher comprometida com outro homem (esteja isto implícito ou explícito) e  ao mesmo tempo a sua escolha  recae sobre uma mulher sobre a qual possa  exercer o seu "direito de propriedade";      
b) a mulher dita " casta" não exerce sobre ele  desejo ou atração;

Este tipo de escolha atende a duas necessidades:  a primeira, a de favorecer a rivalidade e hostilidade, contra o homem a quem se rouba  mulher; a segunda, advém da suposta leviandade da mulher, é a crise de ciúme ou o ciúmes. É a partir deste ciúme que a mulher adquire seu valor enquanto objeto de desejo.  Aqui há outra singularidade, não é "o terceiro prejudicado" quem causa as crises de ciúmes mas "os outros/estranhos ocasionais"  que podem efetivamente levantar suspeitas. O marido, neste caso,  não é um entrave e sim condição. 

Segundo Freud na vida erótica normal o valor da mulher  é determinado pela sua integridade sexual quanto mais aproxima-se da " prostituição" mais diminui seu valor. Neste sentido parece singular que os amantes deste tipo coloquem como seus objetos eróticos precisamente aquelas mulheres cuja conduta sexual seja duvidosa. O  caráter obsessivo também é peculariedade deste tipo de amante, ou seja, há uma relação dispendiosa do ponto de vista do sofrimento, dedicam-se com certa exclusividade, obedecedendo então a lógica da compulsivdade, além disto há uma imperiosa necessidade de "salvar" a mulher elegida.

Pese as singularidades deste tipo de escolha Freud ao analisar todas condições de uma só vez: a falta de liberdade, a sua ligereza sexual, seu alto valor, sua necessidade de sentir ciúmes, fidelidade compatível com a substituição de outro em uma longa série  e intenção redentora  não fica difícil perceber que a escolha erótica obedece a uma fixação infantil na figura materna. Neste sentido, tanto as características que determinam a escolha quanto a  conduta amorosa procede da constelação materna.

A psicanálise nos ensina que aqueles elementos que atuam no inconsciente como algo que tem o sentido de insubstituível contribui para a formação das séries intermináveis, já que a impossibilidade de substituir aquilo que se deseja instala a falta que promove a repeitção ou compulsão.


Entretanto a leviandade do objeto elegido não parece derivar-se do complexo materno. O pensamento consciente do adulto registra, via de regra,  a mãe como um objeto de valorosa moralidade. Ocorre que o menino começa a ter acesso às informações sobre a natureza da vida sexual dos adultos, não demora a perceber que os pais também fazem o  mesmo.  Estas revelações sexuais despertam os desejos infantis atualizando determinados impulsos  infantis.

Começa então a desejar a mãe no sentido descoberto e a odiar o pai, está dominado pelo Complexo de Édipo. O fato da mãe ter concedido ao pai seus favores sexuais faz com que isto seja interpretado  como um ato de infidelidade. Isto ajuda a compreender a aparente contradição da leviandade ser uma das condições para a eleição do objeto erótico na vida adulta neste tipo de sujeito. Neste sentido,  a função da "outra" é sustentar o interdito da mãe, soma-se a isto que caso ocorra o recalque da feminilidade da mãe o menino corre o risco  de ter uma predisposição acentuada para a neurose obsessiva.  

A tendência a redimir a mulher amada aparece à luz da psicanálise como uma racionalização de um motivo inconsciente ligado mais ao complexo paterno do que ao materno. Quando o menino escuta que "deve a vida  a seus pais"  surgem, por um lado, impulsos de carinho e por outro, impulsos  antagônicos relacionados à necessidade de independência. Impulsos estes que originam "uma dívida a  ser paga". Quando a fantasia de salvação é aplicada ao pai predomina um sentimento de independência associada à fantasia de "salvar o pai de um perigo de morte", quando refere-se à mãe, predomina o sentimento de carinho, a mãe deu à vida ao menino. Este impasse da dívida com a mãe  faz com que se opere uma  mudança de sentido, a salvação da mãe adquire inconscientemente o sentido de dar ou engendrar um filho. Conforme as leis do inconsciente a salvação pode variar de significado conforme seja fantasiado por um homem ou por uma mulher, podendo signficar tanto engendrar um filho quanto parir um filho. Pode ocorrer que a fantasia referida ao pai guarde  um sentido posiitvo, talvez expresse o desejo de ter ao pai como filho, isto é, ter um filho que se assemelhe ao pai.    

Fonte:  

Obras Completas de S. Freud . "Um tipo de escolha do objeto feita pelos homens"
(Contribuições à Psicologia do Amor).  Madrid: Lopez Ballesteros y de Torres, 1994. vol.2.  

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