As múltiplas faces do ser

Este blog dedica-se a exercitar "escuta" sensível às manifestações artísticas, criações e ilusões humanas.

domingo, 1 de julho de 2012

" O Cárcere e a Rua"



O documentário “O Cárcere a a Rua” (2004), dirigido por Liliana Sulzbach, mostra o choque da soltura de três entrevistadas da penitenciaria feminina Madre Pelletier,cuja rotina é perfilada desde o momento que ingressam no sistema carcerário, à transação ao regime semiaberto e à liberdade. Com sensibilidade a diretora retrata a experiência de três realidades e subjetividades diferentes: a da Cláudia, a da Daniela e a da Betânia, conseguindo aprofundar com leveza, não sem densidade, a psicologia do feminino num cotidiano dominado pela solidão e pelas perdas.
O primeiro retrato é o da veterana Cláudia, negra de 54 anos de idade, acompanhada a meio metro pela câmera numa área comercial. Desacostumada com o entorno, porque passou boa parte de sua existência cumprindo pena por latrocínio –assalto seguido de morte-, compra uma tintura para o cabelo e pergunta onde fica o ponto final de uma linha de ônibus, ninguém lhe fornece uma informação precisa. Diante de um rapaz que lhe indica o ponto, surpreso com a equipe de filmagem, ela explica : “ é que estou saindo da prisão”.

Em oposição ao caso de Cláudia, aparece o da menina Daniela, réu primária, presa por infanticídio -tentativa de matar o próprio filho-,o que Daniela, grávida, nega. Ela fica transtornada em poucas semanas quando percebe que ficará por muito tempo reclusa. Não fosse o acolhimento e a proteção de Cláudia, certamente se machucaria nas mãos das internas que não toleram esse tipo de crime.

Entre esse dois lados está Betânea, presa por assalto, que, passados três anos em regime fechado, também tem direito ao semiaberto depois de cumprir um sexto da pena. Mais instável e jovem que Cláudia, ela não se acostuma com o alojamento reservado fora do presídio. Sai e decide certa noite, não retornar. Foragida e apesar do medo da polícia, pretende não voltar.
Unindo as realidades destas mulheres, a diretora revela uma característica peculiar dos presídios femininos: o abandono. Ao ir para a cadeia a mulher é separada dos filhos, abandonada pelo homem. Até familiares próximos se afastam. A mãe visita o filho durante anos; a filha presa não merece a mesma consideração. A exceção, porém, é captada no documentário: um marido aparece todas as noites diante da porta da penitenciária para gritar em altos brados seu amor por sua mulher.

O assunto a ser discorrido nesta resenha refere-se à dificuldade das detentas de lidar com a realidade externa à instituição . O motivo da escolha deste tema é uma tentativa de suscitar questões referentes ao controle que se exerce sobre as detentas, e em que medida esse controle favorece uma estruturação e uma aposta efetiva para a ressocialização.

Cláudia nos fala que é impossível dar conta do estado de encarceramento sem estar medicamentada, o que se evidencia na sua fala alinha-se ao pensamento de Foucault de que o encarceramento nunca se confunde apenas com a simples privação de libertade. Em “Vigiar e Punir”, Foucault coloca que o que está em jogo é de duplo fundamento: jurídico-econômico por um lado, técnico-disciplina por outro. Esse duplo funcionamento faz com que as prisões sejam antes instituições com a função técnica corretiva de transformação do indivíduo do que instituições de detenções, ou seja, de privação de liberdade. Aqui, a medicamentalização adquire uma conotação de elemento de desconstrução da subjetividade e assume uma função ortopédica, isto é, a de predispor uma estruturação fictícia ou alienante para que, a partir dela, possa estar num estado de sobrevida na realidade carcerária.

Ainda na esteira de Foucault, como pensar o processo de ressocialização nos estabelecimentos prisionais se o corpo adquire uma realidade biopolítica, e a medicina a sua estratégia? Como inserimos esta questão nessa população específica, com o recorte de gênero?

Dráuzio Varella, em depoimentos e estudos registrados na penitenciária de Santana, salienta que o estabelecimento da hierarquia, -entre os homens, em razão da restrição do espaço físico-, obedece a uma linearidade que não se processa no caso das mulheres. Segundo ele, entre aqueles ficam mais claras as relações de domínio e submissão, a estrutura das coalizões e da organização dos grupos na disputa pelo poder. Nelas, as relações são mais complexas porque operam em rede. Apesar de muitas vezes dar a impressão contrária, a mulher é sobretudo contestadora e avessa à submissão hierárquica. Nesse sentido, faz-se necessário ter um olhar diferenciado - um recorte de gênero- para essas mulheres porque o que se observa no seu cotidiano é a solidão. Ainda segundo Varella, ao ir para a cadeia a mulher é separada dos filhos, abandonada pela família e raramente recebe visitas familiares. Este universo faz com que os efeitos do encarceramento na mulher sejam, na sua maioria, um convite para o abuso de psicotrópicos ou drogas ilegais e a prática de relacionamentos homossexuais com o intuito de amenizar tal condição.


Em “Direitos Humanos e Mulheres Encarceradas”, Howard (2006) chama a atenção para essa realidade: de acordo com o Censo Penitenciário de 2002 65% dos presos recebem visitas das companheiras, enquanto isso, 18% das presas recebem visitas dos companheiros. Assim como os homens, a maioria das presas tem direito à visita íntima, só que a maioria foi abandonada pelos companheiros.

Como salienta Bleger (1984), as instituições, sujeitas às leis sociais e econômicas, são espaços em que o homem deposita parte de sua personalidade, reagindo conforme a imagem da instituição que prefigura. Até no caso dos presídios, elas podem ser fonte de identificação, de sensação de pertinência. Este aspecto de “pertinência” é posto em cena no documentário quando as detentas referem-se à cela como moradia, quando a veterana Cláudia, incapaz de se adaptar à realidade externa, pede para retornar como voluntária no presídio. Na visão blegeriana, quando muito enrijecidas as instituições em suas defesas, serviriam mais à preservação da “ doença” do que à sua superação. A prisão é uma instituição paradigmática da vigilância, do controle e da correção que reproduz, na sua ineficácia , seus próprios marginais, e, na sua eficácia, uma socialização do corpo que na lógica da biopolítica de Foucault, reproduz uma docilização e adestramento do ser.

Em “ Prisões e Políticas Carcerária” (org), Fiona Macaulay analisa a questão carcerária considerada contemporaneamente um dos grandes dilemas do Estado democrático de direito em garantir justiça e segurança. Chama a atenção para um ponto que nos interessa: segundo ela, poucos defenderiam que o sistema prisional brasileiro é bem-sucedido em sua meta de reabilitação, um sistema que é inofensivo em atingir seus objetivos não pode ser eficiente.

No Brasil temos um outro modelo que é pouco conhecido e inovador, que são os (CR): conhecidos como Centros de Ressocialização administrados em uma parceria entre autoridades responsáveis pela administração penitenciária e organizações não-governamentais locais. A Secretaria da Administração Penitenciária alega que custam metade do preço por preso do que uma prisão estadual. Além disso, há também, segundo Fiona, o fornecimento de regime e metodologia de reabilitação que afirmam produzir taxas de reincidências muito mais baixas.

A outra estratégia é a aplicação de penas alternativas; criminosos primários condenados por crimes intencionais sem violência ou grave ameaça –pelo que poderiam ser sentenciados a até quatro anos de prisão- podem ser beneficiários às medidas aplicadas pelas Varas de Execuções Criminais (DECRIM) ou Juizados Especiais Criminais (JECRIM).

Estas estratégias apontam para menores taxas de reincidências e faz dos CR e estratégias similares tanto efetivos quanto eficientes, além de evitarem os efeitos nocivos do encarceramento pois apostam em metodologias de ressocialização.

Karein Castro Reglero. Psicóloga clínica, e institucional na  CPMA-Mulher, Coordenadoria de Reintegração Social (SAP).  

Referencias Bibliográficas:

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: tradução de Raquel Ramalhere. 39 ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

HOWARD, C. (org.) Direitos Humanos e mulheres encarceradas. São Paulo: Instituto Terra, Trabalho e Cidadania; Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo, 2006.

MACAULAY, F. Prisões e política carcerária. In LIMA, R.S e DE PAULA, L. (org.) Segurança pública e violência: o Estado esá cumpriindo seu papel? 1. ed., São Paulo : Contexto, 2008.

OCIMARA, B. Veja depoimentos exclusivos de mulheres presas na Penitenciária de Santana. In Revista São Paulo, Folha de São Paulo, 19 de julho de 2010. Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/767912-veja-depoimentos-exclusivos-de-mulheres-presas-na-penitenciaria-de-santana.shtml . Acesso em : 01 de julho de 2012.


segunda-feira, 16 de maio de 2011

Los momentos fundadores, París. 1960

En este momento Kaës nos muestra el desarrollo de las práticas psicoanalíticas del grupo a finales de la Segunda Guerra Mundial, una vsión que tiene como eje teórico las contribuciones de la escuela francesa representadas principalmente por Pontalis, de D. Anzieu y R. kaës, las cuáles irán considerar el grupo como atravesado por las pulsiones  inconscientes.      

Os momentos fundadores. Paris, 1960. Na França, o desenvolvimento das práticas psicanalíticas do grupo no final da Segunda Guerra Mundial aconteceu, em um aspecto nada negligenciável, como efeito dos esforços empreendidos para reconstruir a organização econômica e social prejudicada pelo conflito do que o pais acabava de sair. A atenção prioritária à saúde pública e de administração dos recursos terapêuticos facilitou a entrada de práticas e de teorias grupais nos meios “psiques”. Essas práticas apresentavam vários tipos de vantagens: a possibilidade de propor tratamentos psíquicos a um número maior de sujeitos era particularmente coerentes com os objetivos da Previdência Social, criada recentemente; o esforço dos processos de socialização, principalmente na instituição psiquiátrica, participava na crítica de caráter cronificante e concentracionista dessas instituições; algumas técnicas de grupo utilizadas nas empresas para elaborar e administrar um projeto coletivo, estimular a criatividade, melhorar “as relações humanas”, reforçavam a coesão social e os ideais do ego. Todos esses objetivos irregularmente explicitados coincidiam mais ou menos com as correntes surgidas da Psicologia do Ego, então em pleno auge; o acento posto nos processos de ressocialização e de readaptação do eu desenvolvia, na escala da sociedade, uma forma de ilusão: fazer do grupo alavanca psicológica para a resolução dos problemas sociais. Utopia antiga cujos determinantes serão assinalados pelos críticos da ideologia inserida nas correntes grupalistas americanas, principalmente nos projetos grandiosos de um Moreno que encontrava em Europa na época um considerável eco.

Por outro aspecto, o impulso das investigações psicanalíticas sobre o grupo está estreitamente ligados às vicissitudes que afetaram o movimento psicanalítico francês no começo da década de 1960: conflitos e divisões consecutivas devido as divergências sobre a formação psicanalítica e sobre a condução do processo do tratamento, criação de novas instituições, L'Ecole freudiennne de Paris em 1963, l'Association Psychanalytique de France em 1964. Essas rupturas e essas criações acompanharam-se de violentos efeitos de grupo, ao mesmo tempo aceitos e denunciados: sua consciência traumática manterá uma excitação ativista ou paralisante, repetindo assim o domínio do grupo sobre os primeiros psicanalistas e o esforço de pensá-lo e, a fortiori, de elaborar ao seu respeito uma prática que fora reconhecida como psicanalítica. A clivagem entre o considerável papel cumprido pelo grupo na fundação da psicanálise, inadequado para a elaboração psicanalítica, não podia senão produzir um retorno da violência no real das instituições.

Um terceiro movimento se exerce no sentido inverso ao primeiro e ao segundo. Alguns psicanalistas, pouco antes ligados a Lacan, empreendem a crítica de uma abordagem psicologizante dos grupos que aplicaria superficialmente os conceitos psicanalíticos sem revisá-los em função do seu objetivo. Criticam também a dinâmica lewniana dos grupos e a corrente moreniana, e especialmente seu imaginário de cura social através do psicodrama e da sociometria. Esses movimentos e essas críticas estimulam o trabalho de psicanalistas franceses interessados no grupo, seja na clinica, já sendo, mais frequentemente no contexto da instituição psiquiátrica ou nas associações de investigação psicanalítica e de formação por meio do grupo.

As hipóteses que organizam os trabalhos dos psicanalistas franceses sobre o grupo a meados da década de 1960 podem resumir-se em três pontos principais:

1.O pequeno grupo como objeto: J-B. Pontalis (1963) restituiu ao grupo seu valor de objeto psíquico para seus sujeitos. “Não basta descobrir – disse – os processos inconscientes que operam no seio de um grupo, qualquer que seja a geniosidade de que possa se dar prova: enquanto se localize fora do campo da análise a imagem mesma do grupo, com as fantasias e os valores que traz, se iludirá de fato qualquer pergunta sobre a função inconscientes do grupo”. Posto em perspectiva no campo psicanalítico, o grupo é considerado antes de tudo como um objeto de investimentos pulsionais e de representações inconscientes.

2. O grupo como realização dos desejos inconscientes: em 1966 D. Anzieu propõe um modelo de inteligibilidade do grupo como uma entidade a partir do modelo do sonho. O grupo é, como o sonho, o caminho e o lugar da realização imaginária dos desejos inconscientes infantis. Segundo este modelo, os diversos fenômenos que se apresentam nos grupos se assemelham aos conteúdos manifestos e derivam de um número limitado de conteúdos latentes. Se o grupo é, como sonho, a realização imaginária de um desejo, isto significa que os processos primários velados pela fachada dos processos secundários são determinantes nele. O grupo, já seja que cumpra eficazmente com a tarefa que lhe é designada ou que se encontre paralisado, é um conflito com uma fantasia subjacente. É um cenário de projeção das instâncias internas. Como um sonho, como o sintoma, o grupo é a associação de um desejo inconsciente que procura sua via de realização imaginária, e de defesas contra a angústia que tais realizações suscitam no ego.

3. O acasalamento grupal das psiques: R. Kaës reformulou no final da década de 1960 a hipótese segundo a qual o grupo é a matriz de uma realidade psíquica própria. Esta realidade específica é produzida, contida, transformada e administrada pelo o que ele chamou de aparato psíquico grupal, no início do qual atuam organizadores inconscientes descritos como “grupos internos”. A consideração dos efeitos da grupalidade psíquica na organização dos processos de grupo permite estabelecer os princípios deste acasalamento psíquico e pôr em evidência seus processos de transformação. O modelo de acasalamento psíquico grupal se centra nas articulações entre o sujeito e o grupo, precisamente nos entrelaçamentos dos efeitos do grupo com os efeitos do inconsciente.

As investigações realizadas na França sobre a teoria psicanalítica dos grupos incorporaram progressivamente os dados dos trabalhos anglo-saxões, particularmente os conceitos e metodologia de Bion, é no caso das investigações de O. Avron, de J-C. Rouchy, quem trabalha também com os conceitos surgidos dos estudos de M. Torok e N. Abraham; outros autores filiados à corrente inaugurada por D. Anzieu e J-B. Pontalis (A. Missenard, J.Villier, E. Gilliéron, R. Kaës...) conservaram as referências iniciais, enriquecendo seus próprios trabalhos com conceitos tomados de psicanalistas como P. Aulagnier, S. Lebovici e P-C. Racamier. Outros desenvolveram práticas de terapia familiar e de grupos com crianças ou grupos de mediação (sonora , plástica) em estreita relação com as investigações psicanalíticas sobre grupos, e aportaram contribuições originais à teoria (J.Lemaire, A. Ruffiot, S. Decobert, G. Haag, A. Eiguer, G. Decherf, J-P. Caillot, E. Granjon, A. Carel E. Lecourt, etc …) Na Argentina, aprecia-se vários trabalhos as referências da Escola Francesa.

Três objetos da teorização psicanalítica do grupo. A influência das correntes que sustentam as principais teorias psicanalíticas de grupo se estendeu segundo ritmos e forças de atração muito diversos dentro dos países de origem e fora de suas fronteiras. Mas que pintar um retrato suficientemente informado destes desenvolvimentos, o que o escopo desta obra não permite, vamos apresentar suas contribuições aos grandes problemas de investigação teórica.

As teorias psicanalíticas de grupo dividem-se em três tendências principais. A primeira se centra no grupo como matriz de uma realidade psíquica que é própria: se propõem diversos modelos de inteligibilidade para dar conta das formações e processos que nele atuam. A segunda tendência introduz mais diretamente a questão do sujeito no grupo: as teorias privilegiam a análise do vínculo intersubjetivo, prestando atenção aos aspectos da realidade psíquica que o grupo mobiliza nos sujeitos ali vinculados . Uma terceira tendência dedica-se a compreender em que condições e de que maneira o grupo contribui para organizar a vida psíquica do sujeito. Estas teorias introduzem a intersubjetividade em uma problemática do sujeito singular como sujeito do grupo e como sujeito do inconsciente.

Antes de expôr tais teorias é indispensável apresentar brevemente as condições metodológicas nas quais se originam. [continuação : Situação do grupo e método psicanalítico].

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Los Momentos Fundadores, Buenos Aires

En este momento, René se dedica entonces a una retrospectiva de los momentos fundadores de la teoría psicanalítica del grupo con énfasis en las contribuiciones de Pichon-Revière y J. Bleger, más adelante pretendemos tambén hablar un poco más de Bleger. 

Os Momentos Fundadores : Buenos Aires, 1950. A psicanálise argentina, como um todo, está atravessada pelas contribuições de E.Pichon-Rivière e J. Bleger; sua contribuição específica tentou uma articulação consistente entre o espaço psíquico individual e o espaço psíquico do grupo e das instituições.
 
E. Pinchon-Rivière (1971) propõe uma compreensão do grupo na que se articulam certas hipóteses psicanalíticas e ourtas tomadas tanto da psicologia genética e da psicologia social quanto das diversas correntes filosóficas. Postula uma psicologia social cujo objetivo de estudo e “ o desenvolvimento e a transformação de uma relação dialética entre a estrutura social e a configuração do mundo interno do sujeito, relação que é abordada através da noção de vínculo. Simultaneamente, propõe uma teoria do sujeito na qual este não é apenas um sujeito de relação, mas também um sujeito produzido em uma práxis: nada existe nele que não seja resultante de uma interação entre indivíduo, grupos e classes”.
  
 O conceito de vínculo é central na obra de Pichon-Rivière. Sua reflexão tem como ponto de partida, desde 1936, os problemas postos pelo tratamento da loucura no marco da psiquiatria social, a qual se dedica a dar forma e ferramentes conceituais. Boa parte destas ferramentas são tomadas da psicosociologia da comunicação e da teoria dos papéis, abordagens que propõem, como ponto de partida, o sujeito não como um ser isolado,mas como incluído em um grupo cuja base é a família: e posto que o grupo familiar está inserido no campo social, que lhe confere sua significação, a conceitualização resultante será, pois, esencialmente psicossocial, sócio-dinâmica e insttucional. Pichon-Rivière comprenderá assim o surgimento da psicose em um membro da família é um “ emergente” original que expressa e toma a seu cargo a enfermidade mental de toda a família: o delírio construído por um membro da família deve, portanto, compreender-se como uma tentativa de resolução de um conflito determinado e, ao mesmo tempo, como a tentativa de reconstruir não só seu mundo individual mas principalmente o do seu grupo familiar, e incluso, secundariamente, o social.
 
É sempre a experiência hospitalaria a que leva a Pichon-Rivière a inventar o que ele denominará de grupos operativos: organiza para os doentes grupos de aprendizagem nos quais acrescenta seus conhecimentos de psiquiatria submetendo-os à sua elaboração. As atitudes dos enfermos se modificam e melhoram suas competências. Baseado nesta experiência propõe, em 1958, a noção de Schéma Conceptuel Réferenicel et Opératif (SCRO)[Esquema Conceptual Referencial e Operativo]. O esquema conceptual é um grupo organizado de conceitos gerais sobre as condições em que os fenômenos empíiricos surgem e se associam entre si; o esquema é referencial na medida em que se remete ao campo (ou ao fato concreto) sobre o qual se reflete e opera, aos conhecimentos sobre cuja base se reflete e opera ; o esquema é operativo na medida em que se manifesta a adequação do pensamento e do enunciado ao seu objeto, sendo esta operacionalidade fonte de descoberta. Pichón-Rivière desenvolverá as aplicações deste modelo em diversos contextos: grupos familiares e de aprendizagem, teoria do vínculo, teoria dos grupos internos, teoria da comunicação.

Uma das principais contribuições de J. Bleger à teoria psicanalítica do grupo é a distinção que propõe estabelecer (1971) entre dois níveis ou modalidades de sociabilidade : a sociabilidade sincrética e a sociabilidade por interaração. A primeira é a mais original, porém não pode compreenderse sem a segunda. A noção de sincretismo, central na teoria de Bleger, define um estado de não-discriminação que compõe a realidade psíquica do indivíduo, mas também de todo grupo e de toda instituição. No indivíduo, este estado de não individuação está constituido por parte do eu sincréitco depositadas em um continente do qual Bleger teorizou um aspecto essencial com a sua teoria de enquadre. Assim como enquadre e processo são correlativos um ao outro, Bleger defende que, paradoxalmente, “a identidade de um indivíduo é tributária do seu eu sincrético”. No que se refere à sociabilidade por interação , implica numa relação de objeto interna, uma diferenciação no espaço psíquico e no espaço intersubjetivo.

As investigações contemporâneas dos psicanalistas argentinos se manifestam nos trabalhos sobre as “configurações vinculares” , que consideram uma problemática transversal a da diversidade dos vínculos: de casal, de pais, de filiação, de família, de grupo e de instituição. Os trabalhos de referência se desenvolvem no marco da Associção Argentina de Psicologia e Psicoterapia de Grupo, com as notáveis contribuições de J. Puget e I. Berenstein, M. Bernard, D. Maldavsky, M. L. Cao, e outros. A herança de E. Pichón-Rivière se expressa atualmente mais, talvez nas investigações sobre grupos de aprendizagem e de intervenção no campo social. (A. de Quiroga) . As invesigações da Escola Argentina difundiram-se na Europa com a diáspora sudamericana consecutiva dos anos de ditadura: na Espanha, com os trabalhos de Grinberg, Caparós e Kesselman; na França, principalmente com os impulsos de A. Eiguer; na Itália com A . Bauleo e J. Onderza Linares.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Alguns Hitos de la Invención Psicoanalítica del Grupo después de Freud


Esta es la continuación de traducción libre del libro " Las Teorias Psicoanalíticas del Grupo" referente ao tópico mencionado en el título de este post.  Kaës nos habla de la evolución de las  'invenciones' pós-freudainas de la noción del Grupo en Psicoterapia Psicanalítica, dando especial atención, en este tópico,  a los teóricos ingleses  -  Bion, Folkes y Balint, entre otros- en lo que se refiere ao surgimiento del Grupoanálisis.  

Tempo de Entreguerras. As primeiras formulações de Freud sobre a psique do grupo e sobre a psicologia das massas fornecerão as bases teóricas para introduzir a alguns psicanalistas no caminho de uma aplicação terapêutica dessas propostas. A mais radical, porém frustrada, foi sem dúvida a de T. Burrow, cujo encontro com Freud, em 1909, nos Estados Unidos está de entrada marcada pelo projeto de propor a psicanálise a sujeitos reunidos em grupo. A psicanálise lhe parecia a Burrow demasiadamente centrada no indivíduo, excluíndo do seu campo as forças sociais que o determinam e que em parte são responsáveis pela sua patologia.

Sua 'filo-análise' sustentava que a análise do indivíduo não pode ser completa sem a análise do grupo do qual faz parte: o grupo se mostrava para ele como um marco natural do tratamento. A reticência de Freud a essas colocações, o fato de não ter iniciado uma análise com ele (por causa da Guerra Mundial), não impediram a Burrow conduzir experiências de terapia no contexto do que denomimou, em 1927, grupoanálises.

Uma continuidade na concepção do grupo e de suas funções se estabelece entre T. Burrow e S.R. Slavon e, sem dúvida, toda a corrente norteamericana (H.D. Kibel, O. Kerneberg, por exemplo.). S.R. Slavon foi um dos primeiros que colocou em andamento, em 1934, um tratamento de crianças e adolescentes por procedimento de grupo. Seu objetivo era alcançar que, em um clima permissivo, e sob a presença de um terapeuta neutro que interviera o mínimo, as crianças estabelecessem boas relações entre eles. O postulado desta prática é que toda a psicopatologia instaura-se num meio familiar deficiente ou traumatizante, se caracterizando por uma debilidade insigne na constituição do eu da criança assim como do adolescente e por sua medíocre ou insuficiente capacidade para integrar os conflitos. O modelo subjacente é, pois, aqui o do funcionalismo do Ego Psychology. O grupo,organizado para instaurar e consolidar essas funções integrativas do eu, melhora o controle das pulsões, assegura a catarse dos conflitos, reforça a adaptação da realidade e desenvolve capacidades sublimatórias: todo grupo bom deve permitir ao eu apoiarse sobre ele para recuperar um funcionamento harmonioso. Desta perspectiva, que também inspira a de K. Redl, a interpretação psicanalítica remente-se quase sempre ao indivíduo e raramente ao grupo: este não tem vida própria e, em consequencia, não é objeto de uma teorização específica.

Ocorre o mesmo com L. K. Wender e com P. Schilder que, no começo da década de 1930, consideram o tratamento em grupo como uma das atividades do psicanalistas e propõem sua utilização nos pacientes caracterizados como estados-limite. A teoria de Wender se apoia na observação da necessdade, so sujeito doente, de ser parte de uma comunidade, à família P. Schilder utiliza o tratamento terapêutico de grupo para restabelecer as formações psíquicas distoridas, especialmente as ideologias, por efeito da influência familiar.

Os trabalhos e as experiências de estos precursores otorgam ao gupo uma importância funcional para a terapia individual. Só no começo da década de 1940 é que o dispositivo de grupo será pensado como entidade específica por psicanalistas preocupados com o tratamento clínico de pacientes com patologias agudas.

A maioria destes psicanalistas deviam tratar esses problemas com dispositivos psiquiátricos que terminava por agravá-los, respondendo a uma lógica de acoplamento da loucura com instituições cuja tarefa primária era precisamente curá-la. Esse foi o caso de E. Pichon-Rivière e de J. Bleger em Buenos Aires. Muitos deles, como s. H. Foukes em Londres, tiveram que buscar alternativas terapêuticas diante dos fracassos de cura tipo: as adaptações necessárias eram então dificilmente pensáveis com as categorias da psicananálise. Outros tiveram que decidir-se por situações emergências, como neuroses traumáticas pós-guerra e tiveram que inventar dispositivos econômicos (no sentido financeiro e psíquico) para tratá-las, descobrindo desse modo sua eficácia: foi o caso de W. R. Bion em Londres no começo da Segunda Guerra Mundial. Outros, finalmente, na tradição francesa da primeira revolução psiquiátrica, mostravam que as instituições assistenciais possuem capacidade terapêutica para os enfermos psicóticos crônicos, e que é possível implantar um tratamento de grupo que mobilize os processos individuais servindo-se dos processos instituicionais: Daumezon, Oury, Paumelle, Racamier, Tosquelles foram pioneiros, na França, da segunda revolução psiquiátrica.

OS MOMENTOS FUNDADORES: LONDRES, 1940. Um dos primeiros focos da invenção da psicanálise do grupo se forma em Londres, em 1940; poucas semanas depois da morte de Freud, meses depois de começar a Segunda Guerra Mundial, dois psicanalistas de sensibildiade muito diferentes, Bion e Foulkes, põem em marcha um dispositivo de grupo ao que instituem segundo o modelo de cura; a partir desta nova situação psicanalítica fundam as bases de uma teoria de grupos.

W. R. Bion (1961) desenvolveu um vigoroso modelo teórico dirigido para explicar as formações e os processos da vida psíquca nos grupos; evidenciou a semelhança de seus funcionamentos com os fenômenos descritos por M. Klein nas suas teorias sobre os objetos parciais, as angústias psicóticas e as defesas primárias. Os conceitos forjados por ela entendem o grupo como uma entidade específica e permitem qualificar de grupais os fenômenos que neles se produzem.

Bion distingue duas modalidades de funcionamento psíquico nos pequenos grupos: o grupo de trabalho, no qual predominam as exigências dos processos secundários que organizam a representação do objeto e do objetivo do grupo, a organização da sua tarefa e dos sistemas de comunicação requeridos para a sua realização. E o grupo básico, no qual predominam os processos primários sob a forma de suposições básicas (basic assumption) em tensão com o grupo de trabalho. A passagem do grupo básico ao grupo de trabalho se efetúa segundo uma oscilação que não implica em dialética de superação.

De fato, Bion elaborou o conceito de suposição básica para designar os diferentes conteúdos possíveis da mentalidade do grupo. As suposições básicas estão constituídas por emoções intensas, de origem primitiva, que cumprem um papel determinante na organização de um grupo, na realização de sua tarefa e na satisfação das necessidades e desejos de seus membros. São e permanecem inconscientes: sometidas ao processo primário, expressam fantasías inconscientes. São utilizadas pelos membros do grupo como técnicas mágicas destinadas a lidar com as dificuldades com que se encontram, e principalmente a evitar a frustração inerente ao aprendizagem através da experiência. As suposições básicas são também reações grupais defensivas contra as angústias psicóticas reativadas pela regressão imposta ao indivíduo na situação de grupo.

A corrente bioniana se desenvolveu na Inglaterra e em vários outros países: M. Pines apresentou a esse respeito um balanço em uma obra bastante reprresentativa (com exceção no que compete aos trabalhos franceses e itialianos), ao tempo que R. D. Hinshelwood se ocupou de seus efeitos na prática das comunidades terapêuticas.

A corrente do Group-analysis fue instituída por S. H. Foulkes, J. Rickman e H. Ezriel principalmente, sobre bases teóricas e metodológicas sensivelmente diferentes das de Bion. Formado em Francfort junto a K. Goldstein, Foulkes conservou as idéias centrais do Gestaltismo – as mesmas que inspiraram a K. Lewin - e a da abordagem estrutural do comportamento: a totalidade antecede às partes, é mais elementar que elas, não é a soma de seus elementos; o individuo e o grupo formam um conjunto de tipo figura-fundo: o indivíduo em um grupo é como o ponto nodal na rede dos neurônios.

Em um sentido amplo, o grupoanálise é um método de investigação das formações e dos processos psíquícos que se desenvolvem em um grupo: funda seus conceitos e a sua técnica em certos dados fundamentais da teoria e do método psicanalítico e em elaborações psicoanalíticas originais requeridas pela consideração do grupo como entidade específica. Em um sentido mais restrito, o grupoanálise é uma técnica de Psicoterapia Psicoanalítica de Grupo.

O grupoanálise foulkesiano apoia-se em cinco ideias principais: a disposição para escuta, compreender e interpretar ao grupo como totalidade no “aquí e agora”; a suma importância da transferência “do grupo” sobre o analista , e não a das transferências intragrupais ou laterais; a noção de ressonância inconsciente (Ezriel precisa: fantasmática) entre os membros de um grupo; a tensão comum e o denominador comum das fantasias inconscientes do grupo: a noção de grupo como matriz psíquica e marco de referência de todas as interações.

As primeiras teorias psicanalistas de grupo o tratam como uma entidade psíquica específica. Estabelecem uma diferença entre o espaço intrapsíquco reconhecido pela prática psicanalítica da cura individual e um espaço psíquico gerado pelos vínculos do grupo. Apoiando-se nas proposições de Freud – mas também nas de Lewin – salienta-se que o grupo não é a soma dos processos individuais, ao contrário, possui uma organização específica cujo inventário e funcionamento seriam ulteriormente reconhecido. Segundo estas teorias, e com exceção de algumas variações, as contribuições dos sujeitos participantes do grupo são consideradas como processos e conteúdos, anônimos e desubjetivados, que colaboram na formação da mentalidade de grupo (Bion) ou que estão subordinados à matriz grupal (Foulkes).

A corrente foulkesiana desenvolveu-se na Inglaterra e no mundo todo como uma referência teórica sustentada fortemente por uma Escola de Formação de Grupoanalistas (cf. M. Pinel, 1983). Na Inglaterra, os principais trabalhos foram produzidos por P.B. De Maré, M. Pines, D. Brown. Fora da Inglaterra, nas correntes norte-americanas, em alguns países da América Latina, nas correntes suiças (R. Battegay, P.B. Schneider), italianas (F.Napolitani, F. Di Maria),alemãs (K. Koeing, ª Heigl-Evers, K. Husemann, R. Schinddler) e austríacas (W. Schindler).

Na França, os questionamentos de Foulkes foram recibidos com certa ambivalência. Por um lado, forneciam modelos eficazes de inteligibilidade dos processos grupais. Por outro lado, trata-se de teorias nas que o sujeito, com aquilo que o singulariza (sua história, seu lugar na fantasia inconsciente, a idiosincrasia das suas pulsões, das suas representações, do seus mecanismos de defesa), podia desaparecer na atenção dada ao grupo como entidade específica. Uma parte da opinião psicanalítica encontrava uma ressonância em Lacan quando criticava “os efeitos do grupo como reforço para a alienação do sujeito nas identificações imaginárias” e as aplanadoras obediências ao imperativo da “Massa”. Para que as idéias do outro lado da Mancha (e o outro lado do Atlântico) fossem acolhidas na França, primeiro tinham que restituir ao grupo seu valor de objeto psíquco para seus sujeitos: somente então poderiam empreender-se investigações sobre as articulações entre o grupo e o sujeito singular considerado como sujeito do grupo.

Ainda que o seu conhecimento dos processos profundos da dinâmica grupal parece ter sido limitado e não tenha praticado a psicoterapia em grupo, a contribuição de M. Balint à teorização psicanalítica de grupo deve ser mencionada. Sua influência foi considerável na implementação do grupo como forma de aprendizagem de novos manejos profissionais e como campo de investigação referidos aos processos relacionais dos médicos. Balint soube utilizar os recursos de identifcação com o líder e entre os membros do grupo para sustentar a construção de uma identidade profissional. Suas referências teóricas foram tomadas de Bion, mas não radica aí sua originalidade. Esta resulta sem dúvida de sua herança ferencziana, com a teoria do amor primário; funda-se na importância dos contatos e intercambios com o ambiente desde o nascimento e, correlativamente, no papel determinante que atribui a experiência de separação nas modalidades da emergência do objeto: de alí resultam as condutas típicas, ocnófilas (de apego) ou filóbatas (de desapego). As ideias de Balint foram relativamente pouco exploradas nas teorias psicanalíticas de grupo. Seus colegas ingleses (Gosling, Turquet) desenvolveram particularmente os aspectos técnicos desse grupo de trabalho em particular, empreendendo análises valiosas sobre as identificações precoces “ por la piel del vecino” e manifestando as angústias experimentadas pelos participantes em grupos amplos ou vastos. Na França, os trabalhos de J. Guyotat, M. Sapir e A. Missenard aportaram novas perspectivas sobre o regime das identificações e aflições que funcionam em todos os grupo.


domingo, 10 de abril de 2011

Las Teorías Psicoanalíticas del Grupo, René Kaes

Tradução livre do primeiro capítulo e tôpico do livro As Teorias Psicanalíticas de Grupo, interessante observar os problemas que o autor tenta responder no que diz respeito as  implicações teóricas da psicanálise num contexto  de grupos. Segundo ele atenderia a três necessidades:  a uma necessidade sócio-histórica, a uma necessidade clínica e finalmente a uma necessidade de elaboração epistemológica interna do pensamento psicanalítico. 

1- A invenção psicanalítica do grupo

A “invenção” psicanalítica do grupo inscreve-se no contexto das grandes rupturas da pós modernidade: inscreve-se também no movimento psicanalítico. Ocorreu em várias etapas, em mais de um lugar e sobre diversas bases teóricas; em todos os casos se produziu ao margem da psicanálise, mobilizando resistências de todo tipo mas suscitando uma elaboração que coloca em xeque algumas das suas hipóteses fundadoras.

Freud e o grupo . A matriz grupal da invenção da psicanálise.

O dilema com o grupo introduziu-se na psicanálise desde sua origem, com insistência e resistência a tal ponto que esta afinidade conflictiiva entre grupo e psicanálise fez do grupo a outra matriz fecunda e traumática da invenção da psicanálise: sua instituição e sua transmissão, sua teoria e a sua prática levam as impressões das apostas apaixonadas, com frequencia violentas e repetitivamente traumáticas, que se integraram em seus alicerces. È como se a mutação que o mesmo Freud descreveu entre o registro psíquico e cultural da Horda ao do Grupo Civilizado e creador do pensamento devesse ser constantemente renovada pela instituição da psicanálise, igual que, sem dúvida, em toda instituição.

Esta afinidade conflictiva não resolvida poderia reduzir-se, em parte ao paradoxo seguinte: a exploração do mais íntimo, do mais oculto e do mais singular, versus o que se mobilizam os efeitos conjuntos da censura intrapsíquica e da censura social, só pode se empreender numa relação intensa do pequeno grupo e contra alguns efeitos desta relação.

É na ruptura com Fliess, o duplo narcisista, como se forma, por iniciaitva de Stekel, o grupo que Freud convoca e reúne ao seu redor. A psicanálise nasce desses dois lugares dissimétricos e conectados entre si por caminhos de ligação ainda desconhecidos: o espaço singular da situação psicanalítica da cura e àquele, plural, múltiple, também no enquadre, mas fora de uma verdadeira situação psicanalítica, do grupo que constituem os primeiros psicanalistas em torno de Freud. Nestes dois espaços antagônicos e complementares se experimentam e se elaboram as tumultosas descobertas do inconsciente, através de seus surgimentos na solidão e nas vicissitudes do vínculo intersubjetivo. Por mais de um motivo, o grupo será a contracapa oculta e desconfiada do espaço de cura.

Freud necessita do grupo para ser, tal qual Schliemann, Alexandre e Moises, o descubridor dessa Terra Prometida Perdida. É grupo que o rodeia, até tornar-se a vezes insuportável, que encontra um eco para os seus pensamentos: é ele quem carrega a palavra do inconsciente, o instrui nos procedimentos e nas regras do conhecimento, em troca, o grupo mostra-lhes as coisas do vínculos de amor e ódio que os homens tecem quando reunidos em torno de um ideal comum. O grupo é um filtro para suas emoções, um pára-excitação auxiiar, o objeto sobre o que exerce sua influência. Em seu grupo, experimenta os obstinados bloqueios da resistência à psicanálise que seus discípulos lhe opõem, mas eles também lhe opõem sua alteridade, suas diferenças e suas divergências.

Em esta primeira e necessária invenção do grupo no coração da psicanálise, o grupo dos primeiros psicanalistas será o cenário onde o eu heróico de Freud poderá exaltar-se, onde se despleglarão suas grandiosas projeções, suas identificações histéricas, suas dramatizações masoquistas, sua fantasia de preeminência e suas recriminações por se encontrar sozinho, abandonado por todos. A combinação ou o acoplamento das psiques encontrará um princípio nesses “organizadores” insconscientes dos vínculos intersubjetivos entre seus discípulos, seus filhos, seus irmãos.

O cenário do primeiro grupo psicanalítico será o espaço onde se desplegará a fantasia da cena primitiva de invesigação e de descoberta do inconsciente. Será para os discípulos de Freud, essencialmente para os homens atraídos por ele, o cenário de suas fantasias de sedução e de castração: cenário no qual se coloca simultânea e sucessivamente todos os avatares da sexualidade e em especial os da homossexualidade e a bisexualidade; cenário onde se dramatizam as apostas da rivalidade fraterna, do reconhecimento permanentemente reativado, sempre insatisfeito, de ser para Freud o filho predileto, se não o Único.

Este cenário do grupo, onde se desdobraram tantas cenas domésticas e de família, só adquirirá destaque e esta densidade porque será o espaço que receberá as transferências de transferências não analisadas ou insuficientemente analisadas na cura, ante todo os restos de transferências grandiosas e persecutórias, os ramos/descendentes da ilusão mobilizada no grupo para sustentar sua conquista: o conhecimento do inconsciente. Restos que serão investigados, sustentados e unidos entre si nas configurações interpsíquicas do grupo dos primeiros psicanalistas. Aí encontram-se a matéria e a energia necessárias para fundar a instituição da psicanálise.

A descoberta e a análise do Complexo de Édipo no espaço intrapsíquico não mudará quase nada o reconhecimento, a análise e a resolução de seus efeitos no campo das relações intersubjetivas do grupo. É como se as apostas do Édipo ativas no grupo se voltassem alí irreconhecíveis, inclusive depois que Freud tratara de descubrí-las em Totem e Tabú, nessa análise então crucial para ele, para o seu grupo e para a psicanálise, da passagem da Horda ao Grupo. O que ocorre é que a alienação da realidade psíquica nos grupos não segue exatamente os mesmos caminhos e não produz as mesmas formações que no espaço intrapsíquico. Então só lhe resta à psicanálise continuar a sua descoberta, desde o momento em que continua em seu projeto de conhecer o inconsciente aí onde se manifesta.

As principais hipóteses da especulação freudiana. O “Grupo Psíquico”.

Em “Projeto de Psicologia” (1895) e nos Estudos sobre a Histeria (1895), o grupo aparece antes como um modelo da organização e do funcionamento intrapsíquico: é uma forma e um processo da psique individual. Freud chama grupo psíquico (der Psychische Gruppe) a um conjunto de elementos (neurônios, representações, afetos, pulsões...),ligados entre si por investiduras mútuas, que formam uma certa massa e funcionam como imãs de ligação. O grupo psíquico está dotado de forças e de princípios de organização específicos, de um sistema de proteção e de representação-delegação de si mesmo por uma parte de si mesmo; estabelece relações de tensão com elementos soltos ou desligados que, por esta razão, são susceptíveis de modificar certos equilíbrios intrapsíquicos. O primeiro esboço do conceito do ego freudiano é o de grupo psíquico: a primeira representação do inconsciente e a do grupo psíquico clivado.

É evidente que o grupo intersubjetivo proporciona a metáfora da qual Freud se sirve para representar um primeiro modelo de inteligibilidade da estruturação e funcionamento do aparato psíquico. O modelo dos grupos psíquicos, um dos mais fecundos, será recorrente no decorrer de toda a sua obra: veremos mais adiante como ele organiza a representação dos processos primários e das formações de compromisso, das identificações e do ego, das fantasias, dos complexos e das imagos. Mas também será um dos mais desconhecidos.

A Psique do Grupo. A atenção declarada que Freud dedica aos fenômenos de grupo e de massa não se explica só pelo seu afã de estender a eficácia de suas descobertas a níveis de realidade diferentes dos da psique individual. Mais ainda, esta atenção não pode ser considerada unicamente desde o ponto de vista da sua situação pesssoal em seu próprio grupo, inclusive quando escreve Totem e Tabu em um movimento de elaboração de crise pessoal, grupal e institucional que desemboca na sua ruptura com Jung. Sua desconfiança em relação à  Menge, a massa compacta das idéias recebidas com as quais se depara, como seu pai humilhado pela tirania da maioria dominante, constituem também motivos poderosos para o seu ambivalente desejo pelas massas, pelas instituições e pelos grupos. Este interesse se fortalecerá após as catástrofes coletivas durante a Primeira Guerra Mundial: se ampliará quando se gestem, e ele pressinta , outras catástrofes: a ascenção dos fascismos na Europa e a mais concreta, a ameaça do nazismo na Alemanha e na Áustria. Outras razões poderiam também estar envolvidos nesse interesse. Estas formam uma sinergia que levará Freud a escrever, com sete anos de intervalo, as obras fundadoras que não podem reduzir-se a um simples exercício de psicanálise aplicado.

Totem e Tabú não é só uma especulação de Freud que “aplique” a psicanálise à gênese das formações sociais: Freud desvela alí a vertente parterna do complexo de Édipo, seus componentes narcisistas e homossexuais; defende hipóteses consistentes sobre a transmissão psíquica das formações transindividuales da psique, sobre a origem e o originário. Do mesmo modo, Psicologia das Massas e Análise do Ego não é exclusivamente um ensaio de “psicologia social”, no sentido em que a entendemos hoje; Freud só utiliza esta noção para introduzir na problemática da psicanálise a abertura intersubjetiva dos aparatos psíquicos entre si, em um lugar onde se podem apreender conjuntamente a estrutura do vínculo libidinal entre vários sujeitos, a natureza e o papel das identificações, a função dos ideais e a formação do eu. O Futuro de uma Ilusão, O Mal Estar da Civilização e até a última obra Moisés e o Monoteísmo permanecerá aberta a investigação nesta direção.

Se este é o sentido e o interesse teórico que Freud dirige aos grupos e aos conjuntos intersubjetivos, a hipótese de uma psique de massa (Massenpsyche) o de alma de grupo (Gruppenseele) formulada na conclusão do Totem e Tabú , não é a pura e simples transposição de uma noção tomada da psicologia dos povos, da etnologia o da psicologia social do seu tempo. Retomada e elaborada em vários lugares e em momentos sucessivos da obra freudiana, esta hipótese supõe a existência de formações e processos psíquicos inerentes aos conjuntos intersubjetivos: impilica que a realidade psíquica não está localizada inteiramente no sujeito considerado em sua singularidade de seu aparelho psíquico.

TRÊS MODELOS DE AGRUPAMENTO. De 1912 a 1938, de Totem e Tabú a Moisés e o Monoteísmo, três modelos tratarão de dar conta das formações e processos da realidade psíquica posta em jogo na passagem qualitativa do individuo à matriz e da matriz ao conjunto intersubjetivo organizado.

O primeiro modelo introduz, com Totem e Tabú, a noção de que a realidade psíquica do conjunto se desprende dos efeitos da aliança fraterna para matar ao Pai da Horda Primitiva. Freud descreve assim a passagem da Horda al Grupo instituído na cultura: os filhos, aliados contra o chefe da Horda admirado e odiado, preparam e um dia consumem o ato de assassinato do pai arcaico, devoram seu cadáver durante a comida canibalesca após esse assassinato, mas, impedido cada um pelo outro, nenhum deles pode assumir a herança e o lugar do Pai. Esse primeiro momento psíquico, é o da incorporação do pai assassinato. (G. Rosolato), assinala o fracasso do processo de introjeção das qualidades do Pai morto em cada um.

O sentimento de culpabilidade, a tolerância recíproca e o enunciado das proibições fundamentais farão possível a instalação desse processo. Culminará no nascimento da comunidade dos irmãos, fundada sobre dois princípios: a instauração do toteísmo garante que nunca mais acontecerá um episódio semelhante; a renúncia da posse de todas as mulheres obriga a unir-se somente  àquelas que não pertencem ao clã. A proibição do assassinato e a exogamia fazem que seja possível os intercambios simbólicos.

Psicologia das Masas e Análise do Ego. É o momento para propor um segundo modelo do processo psíquico de agrupamento: a identificação é o eixo que ordena a estrutura libidinal dos vínculos intersubjetivos. Os efeitos das identificações mútuas pelas quais se efetua a traslação das formações intrapsíquicas sobre uma figura comum e idealizada, são o condutor, ou “ o chefe” e “ o espírito do corpo”. Esta translação ou transferência implica para cada sujeito o abandono de uma parte de seus próprios ideais e de seus próprios objetos de identificação.

Com o Mal Estar na Cultura (1929), Freud propõe o terceiro modelo: seu princípio aqui é a renúncia mútua da realização direta dos fins puslionais. O pacto da renúncia possibilita o amor e o desenvolvimento das produções culturais. A comunidade que resulta deste pacto está fundamentada sobre o direito: garantiza a proteção e as obrigações obtidas na troca desta limitação. Neste texto, Freud introduz mais uma vez o narcisismo no centro das formações coletivas: o narcisismo “ das pequenas diferenças” delimita o pertencimento, a identidade e a continuidade do conjunto; distingue cada grupo de qualquer outro. Esta “ terceira diferença” no lado das do sexo e da geração, especifica a relação de cada sujeito com a psique de grupo na que está sustenado narcisicamente , e que ele sustenta.

Estes três modelos proporcionam as bases do desenvolvimento posterior das teorias psicanalíticas de grupo. Contêm três hipóteses fundamentais: a hipótese de uma organização grupal da psique indvidual; a hipótese de que o grupo é o lugar de uma realidade psíquica específica; a hipótese de que a realidade psíquica do grupo precede a do sujeito e a da estrutura.

A articulação entre estes três modelos é esboçada por Freud: este descreve formações psíquicas intermediárias e comuns a psique do sujeito singular e aos conjuntos (famílias, grupos secundários, classes, nações) das que ele é parte constitutiva e parte constituída; por exemplo, o ideal do eu, as diferentes figuras do Mediador, os correlatos místicos das fantasías, a comunidade das fantasias e as identificações.

Entretanto, estas preposições conservarão um caráter especulativo até que não se construam dispositivos metodológicos que as submetam à prova clínica. Ademais suscitarão atitudes contraditórias e resistências que colocam em evidência sua âncora ao mesmo tempo central e marginal na psicanálise. Podemos propor algumas razões para isto: elas seguramente respondem à complexidade e a heterogeniedade do grupo como objeto téorico, a suas dimensões intrapsíquicas, intersubjetivas, institucionais e societárias. Diz respeito também à distância entre a experiência e as elaborações teóricas parciais que dela autoriza a situação de cura individual. Concernem finalmente a resistência que provoca no grupo de psicanalistas a revelação das apostas conflitivas que o atravessam.


KAES, RENE.  Las teorias psicanalíticas del grupo. Impresso en los Tallere Color Efe. Paso 192, Avellaneda, província de Buenos Aires, em julio de 2000.    

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

"All about drugs "

Quase sempre quem se interessa pelo tema da Dependência Química com certo grau de profundidade é porque está preocupado com alguém que ama e não sabe como ajudá-lo. A melhor forma de tentar ajudar é, num primeiro momento, ter informação sobre o tema. Para além do conhecimento técnico acreditamos que muitas vezes aquilo que brota de uma angústia ou da impotência pode servir como antídoto para o sofrimento.

 Bebo para hacer interesantes otras personas.” [*]
                                           George  J.  Nathan (1882-1958) . Crítico de teatro e editor estadounidense.

 Nos Estados Unidos os transtornos relacionados ao álcool são o terceiro maior problema de saúde púbica seguido das doenças cardíacas e do câncer; dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que os brasileiros consomem 18,5 litros de álcool puro por ano. A  prevalência de transtornos psiquiátricos comórbidos é elevada, a depressão costuma estar presente e precisa ser avaliadas com atenção. Estudos envolvendo gêmeos e pessoas adotadas indicam uma base genética e o risco de dependência é de 3 a 4 vezes maior em parentes próximos de pessoas com dependência química.

Algumas pesquisas apontam para uma tendência genética na metabolização da bebida alcoólica, assim filhos e parentes de alcoolistas teriam uma capacidade menor de se intoxicar, ou seja, desenvolveriam uma tolerância maior o que os colocaria numa condição de vulnerabilidade ao alcoolismo.

Outro tipo de herança da metabolização do álcool estaria ligada ao acúmulo da substância química acetaldeído no fígado após a ingestão do álcool, este acúmulo provocaria efeitos desagradáveis para as pessoas com esta predisposição, consequentemente tais indivíduos se exporiam menos ao alcoolismo.

A dependência de álcool se caracteriza por diferentes padrões de consumo. O parámetro é considerar que a dependência implica em ter problemas ou prejuízos globais assim como sintomas de abstinência. Aquele sujeito que bebe dois copos de chope no fim de semana é considerado usuário social do álcool, ele não tem problemas nem é dependente, já o sujeito que bebe uma vez por mês mas toda vez que bebe, exagera e tem algúm tipo de prejuízo é considerado abusador de álcool. O dependente é portanto aquele que bebe num contínuo, diaramente, acorda com tremores e sudorese devido à abstinência alcóolica, tem uma compulsão para beber e não consegue ficar muito longe da bebida. Independente das gradações de dependência de álcool e outras drogas o seu uso contínuo acarreta alterações cerebrais que fazem com que a doença se instale e se desenvolva.

Em termos de tratamentos da dependência de álcool o essencial é o paciente controlar o uso, geralmente através da abstinência total, como foi dito em outras postagens, o Programa de 12 Passos como defendido pelos Alcoólicos Anônimos (AA) são de extrema utilidade, pois tratam de questões importantes para a recuperação, com ênfase ao primeiro passo. Vale ressalta que embora a abstinência de drogas e álcool conduz a um alívio do desconforto físico e mental assim como melhora no convívio social, o início da sobriedade é frequentemente associado ao enfrentamento de dificuldades e responsabilidades antes ignoradas  pelo dependente quando estava bebendo ou tomando drogas. Observa-se que o intuito é fazer com que o paciente  assuma um papel ativo no seu tratamento. 

“Admitimos que éramos impotentes perante o álcool que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”.

Uma forma do manejo terapêutico da dependência química é trabalhar com o conceito de personalidade aditiva ou seja, a personalidade intrinsecamente ligada a um determinado vício comportamental. Levando isto em conta um projeto de atendimento e tratamento é focalizar o primerio passo do AA interpretado como elaboração do luto desse “eu adito”.

Esse processo de luto contemplaria didaticamente, os seguintes estágios: a) de negação no sentido da evidência da impotência perante o ácool e as drogas; b) superação dos sentimentos de raiva advindos da percepção da compulsão; c)superação da barganha, seria a fase de trocas, aqui seria interessante desencorajar comportamentos facilitadores das pessoas amadas ou próximas, estabelecer um sistema de apoio social para que possa emergir o sentimento de esperança; d)superando a depressão, para que esta integração ocorra é necessário que o sujeito coloque um xeque-mate : ou eu fico do mesmo jeito ou eu mudo.

Este processo faz com que a pessoa tenha uma base sólida e uma estrutura mínima porém crucial para entrar em contato com a percepção desse eu adicto para que a partir daí possa conviver com ele e superá-lo. Em postagem anterior “ A Simetria da Droga in The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde” apontamos a dimensão da “dupla personalidade ficcional” para compreender como se processa o funcionamento de um adito:


"Dr. Jekyll cria uma droga que permite uma alternância fícticia entre estas duas personalidades, a do Dr. Jekyll e a do Mr. Hyde, o seu aspecto mais sombrío. Inicialmente este alter-ego atinge seu objetivo: separar e controlar a tensão entre o seu lado racional e o seu lado mais lascivo. [...]

Jekyll fica assustado, percebe que está perdendo o controle de Mr. Hyde, “no instante em que eu quiser, livro-me de Mr. Hyde”. Aqui outro valioso ensinamento, o desprezo e descuido pelas forças do mal, abrem caminho para a autodestrutividade."

Esta novela pode auxiliar o leitor a compreender os mecanismos dos transtornos relacionados a substâncias através da transformação do personagem Dr. Jekyll correlacionando-os com os processos mencionados anteriormente. 

Um instrumento muito simples e validado para triagem para dependência química de álcool é o questionário CAGE (Ewing, 1984). A mnemônica CAGE é utilizada com um ponto de corte de duas respostas afirmativas sugerindo screening positivo para abuso ou dependência de álcool:

Você alguma vez sentiu que devia diminuir? (Cut Down) a bebida?
Você alguma vez ficou aborrecido (Annoyed ) por alguém criticar seu consumo de álcool ?
Você alguma vez se sentiu culpado (Guilty) por beber?
Você alguma vez precisou de uma bebida de manhã antes de mais nada? (Eye-Opener)?

Este instrumento pode ser muito útil para avaliação de diagnósticos precoces e detecção de desordens de uso de álcool entre pacientes que, por exemplo, procuram o departamento de emergências clínicas de um hospital. Nesse sentido nunca é demais dimensionar a importância do reconhecimento da dependência química de álcool e outras drogas tanto no âmbito pessoal quanto no âmbito institucional,  precoce ou tardiamente.  

Para finalizar  cabe reforçar que no contexto de políticas públicas com saúde é importante  primar por um esboço de clínica de desmonte de identidade rígida como a do dependente químico.Trata-se de tirar o foco da droga e propiciar a  produção social de subjetividade de um sujeto na  coletividade com o intuito de evitação de práticas de exclusão e de marginalização. 

Referencias Bibliográficas:

CARNEIRO, ELIZABETH. Drogas.sem /Analice G.,Elizabeth C.e Gisele Aleluia. Rio de Janeiro: BestSeller, 2008.
FIGLIE, NELIANA BUZI. Aconselhamento em Dependência Química. São Paulo: Roca, 2004.
TOY, EUGENE C. Casos Clínicos em Psiquiatria/ Eugene C.Toy, Debra Klamen: tradução: Régins Pizzato – 3ed. Porto Alegre: AMGH, 2011.

[*] O filme All About Eve foi baseado em Nathan no personagem do cínico crítico de teatro interpretado por George Sanders (Oscar por Melhor Ator Coadjuvante)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Matrimonio do Céu e do Inferno

WILLIAM  BLAKE (1757-1827)  poeta místico,  ilustrador revolucionário  e pintor manifesta em seus escritos e em seus poemas, além de uma  visão muito pessoal da união com o Divino, uma crítica social  ao capitalismo industrial cientificista da época chamando a atenção então para a crescente apatia e a morte espiritual. 

Blake inventa a sua própria mitologia e teologia usando conceitos reconhecidos e aceitos pelo cristianismo dando a eles uma significação peculiar e pessoal, as Canções da Inocência e da Experiência estão repletas de anjos e cordeiros.  Blake interpreta o cristianismo de uma forma anárquica e revolucionária assim como Kierkegaard e Nietzsche o significaram cada qual ao seu modo. A questão central blakeana passa nem tanto pela sua especifiidade mística mas  pela  evidência da capacidade do homem em criar a partir daquilo que ele  percebe, a sua qualidade fantasiosa e imaginativa.  

"Se as portas da percepção fossem limpas tudo apareceria ao homem como infinito".

Interessante observar que para Blake as  portas da perperção eram algo muito mais simples e natural do que as experiências com mescalina de Huxley descritas em seu  Admirável Mundo Novo, para  ele tratava-se da percepção da realidade. Nesse sentido Blake entendia que a visão ou  imaginação eram o poder supremo no homem e no mundo porque literalmente visão era imaginação: 

"Poner en duda mis ojos corporales seria lo mismo que poner en duda una ventana en lo que concierne una vista, miro a través de ella, no con ella". (Blake, 1983)

Para Blake é como se existisse uma distinção entre uma "visão simples" e uma "dupla visão"  isto ajuda a compreender por que algumas das considerações blakeanas nos parecem contraditórias. Supõe também uma diferença entre ter uma visão de mundo generalizada e uma visão como um organismo composto de pequenas partículas. A visão simples era personificada pelas figuras de Newton, Bacon e Locke, muito criticados por ele, lembremos que a Inglaterra da época era o berço do materialismo moderno. 
 
O Primeiro Dia (1794)


A lógica blakeana era a de adquirir "a dupla visão"  impulsionando o intelecto e exercitando-o na ação para dentro, assim a visão interior animava a externa. Blake afirma que não devemos prolongar esse estado pois o seu tempo é o de uma " pulsação arterial", tratar de estender o seu tempo equivaleria a corrompe-la, que é exatamente, segundo Blake , o que fazem as "pessoas religiosas". 

Para Blake um dos caminhos para expandir os sentidos se dá no jogo livre das paixões, satisfazendo os desejos do corpo.  Interessante observar que Blake manteve uma vida matrimonial muito casta daí se desprende que esta afirmação não é uma apologia do hedonismo,  em outro momento Blake novamente fala do excesso  mais no sentido de chamar a atenção para a ausência de tensão do que o para o excesso propriamente dito:

"Mas o homem não deve aprisionar o gozo, porque assim o corrompe"  (Blake, idem, pag. 22).  

A crítica ao ascetismo é mais clara quando Blake nos fala: 

"En el cielo se admite a los hombres, no porque hayan dominado sus pasiones, o porque no las tengan, sino porque hayan cultivado su entendimiento".  [...]  Si el  hombre rehuye el goce corporal es porque es lo bastante débil para dominarse, y el dominador, o razón, usurpará el lugar gobernado  al refractario". (Blake, idem, pag. 23).

Percebemos que o pensamento blakeano é atravessado pela dialética e a partir desse processo, desta tensão se daria a "vida". Para ele sem contráros, não há processo, necessário para a existência humana. 

É sabido que em contraste com outras tradições,  o cristianismo enquanto dourtrina não tem conseguido se desvencilhar da dualidade,  em seu anseio de perfeição, a teologia cristã  tem neglicenciado a escuridão divina.

Piedade
Se entendermos a perfeição como sinônino de totalidade integrada fica fácil compreender que a perfeição não implica reprimir a escuridão  e no lugar da repressão o que é necessário que aconteça é que as tensões trabalhem para se resolver. 

Um antídoto para a apatia e a morte espiritual denunciada por Blake que persiste até os dias atuais é justamente não alienar-se diante da sombra, num universo  blakeano seria justamente vivenciar o processo, que significa isto na prática? Tens raiva, mágoa, ressentimento, não permita que isto te afaste dos outros e tampouco a reprimas.  Embora os conflitos emocionais sejam bem mais complexos do que o do exemplo não esqueçamos que qualquer que seja a maneira como as idéias complexas se compõem  elas se originam das simples. E para lidar com elas, cada qual a sua "graça". Afinal  ....  "É pela graça que fostes salvos". 

Referência Bibliográfica: 

BLAKE, WILLIAM. El Matrimonio del Cielo y del Infierno. Cantos de Inocencia y de Experiência. Traducción Soledad Capurro. Editora Visor, Madrid: 1983. 

CONNIE ZWEIG E JEREMIAH ABRAMS (orgs). Ao encontro  da Sombra: O Potencial Oculto do Lado Escuro da Natureza Humana. Editora Cultrix, São Paulo: 1991.